16. A hora do pesadelo.

 


Quando é necessário revidar.


Aqui tentei dar foco e espaço para a pequena Cristal, deixando o terreno pronto para o final que está cada vez mais próximo.

Portanto, sem mais... Boa leitura!


16. A hora do pesadelo.



As ruas do centro de São Paulo nunca pareceram tanto com um labirinto, enquanto a moto cronal, por pouco, não saía voando, conforme fazia curvas fechadas, ou precisava ser inclinada para escapar das ameaças que os perseguiam.


Mas o que diabos é isso?! ― Caio se segurava com força na cintura de sua salvadora, enquanto arriscava alguns olhares para trás, vendo a imensa criatura que, graças ao seu tamanho, os seguia de forma mais lenta. ― Nunca vi um secular tão grande!


A Mãe Primordial está em outro nível, ma coer! ― Natalie precisava gritar para se fazer ouvir, por causa da velocidade em que estavam, além do verdadeiro cenário de guerra ao redor, com explosões e destruição absurdos, causados por seus perseguidores. ― Assim que fugirmos você vai entender tudo!


E ela teve de fazer outra curva fechada, escapando por um triz do ataque de um novo secular, que surgira de surpresa em uma esquina pouco a frente do casal.


O monstro acertara a base de um prédio residencial e Caio chegou a afrouxar o aperto na cintura da garota, deixando claro que pretendia sair voando e tentar salvar as pessoas, mas sentiu que ela segurava seu pulso.


Não é a verdadeira batalha. ― assim que ele se ajeitou, ela voltou a atenção para a frente. ― Precisamos sair daqui! Já!


Mais alguns quilômetros e acho que chegamos na Fernão Dias!


Mal a frase saiu da boca do guardião e um novo jorro de energia, vindo da Mãe Primordial, destruiu a rua a frente deles.


Não para!


Ficou doido Caio?!


Você confia em mim?


Alguns segundos de silêncio se passaram, conforme iam se aproximando da destruição à frente, onde uma imensa nuvem de poeira ainda estava erguida no ar.


Com toda a minha vida ma coer!


Então acelera!


E ela acelerou, mergulhando na nuvem de poeira.


Antes que a Mãe Primordial ou qualquer um dos demais Seculares tivessem chance de reagir, do outro lado da fenda aberta pelo ataque da líder dos monstros, o que parecia impossível surgiu.


O Guardião Bisturi voava segurando tanto a moto cronal quanto sua companheira, no rosto estava estampado o esforço que era exigido dele, por conta dos dentes cerrados e o suor que lhe escorria pela face.


Só mais um pouco!


Indo além dos limites, considerando que fazia pouco mais de uma hora que ele havia despertado e recuperado parte de suas memórias, Caio ainda conseguiu carregar o veículo e Natalie, até pousar num trecho próximo da rodovia, garantindo assim uma boa distância da Mãe Primordial.


Acelera com tudo!


Se segura!


A guardiã fez a moto queimar asfalto antes de partir a toda a velocidade, atrás deles era possível ouvir os estrondos dos passos da monstruosa criatura que os seguia, tentando correr mais rápido do que seu imenso corpo permitia.


Ondas de energia cronal foram surgindo ao redor da moto, era como uma mistura de arco-íris com distorções de ar quente, deixando um rastro multicolorido, conforme eles avançavam, cada vez mais rápido.


A Mãe Primordial disparou uma nova rajada de energia, mas acabou acertando e destruindo apenas a estrada e seus arredores, pois os Guardiões Cronais já não estavam mais lá.


Mesmo assim o urro de frustração que a criatura emitiu pareceu segui-los até seu destino.


Eles chegaram! Eu falei que a Nat ia conseguir!


A moto cronal entrava pelos trilhos de uma estação de metrô, quase idêntica à Estação Chronos, mas sem qualquer outra entrada ou saída além das do túnel por onde eles estavam entrando.


Ao subir a plataforma, já ressabiado pela familiaridade que o local lhe causava, Caio não teve reação quando a condutora criança correu até ele e enlaçou a sua cintura num abraço apertado.


Olá Caio...


Conforme a condutora adolescente se aproximava, um pesado silêncio caiu no recinto, quebrado apenas pelo riso sincero de uma criança, que permanecia agarrada à cintura do Guardião.


Bom... ― com extrema gentileza ele afastou a menina, antes de continuar. ― Alguém vai me explicar o que está acontecendo?


As três mulheres se entreolharam e então Cristal se adiantou.


Acho melhor mostrar... ― ela estendeu a mão direita na direção do amigo, que se encolheu de leve, com receio do toque. ― Não precisa ter medo... Sou eu... Só quero esclarecer tudo...


Caio olhou para Natalie, que lhe estendeu um sorriso amarelo, enquanto a pequena condutora sorria e erguia os dedões num sinal de que estava tudo bem.


Ele respirou fundo, fechou os olhos e abaixou um pouco a cabeça, permitindo assim que a jovem condutora tocasse de leve bem no meio de sua testa.


Foi então que a mente de Caio se expandiu.


Ele viu, pelos olhos da condutora Cristal, a fuga da Estação Chronos, com a realidade sendo apagada pelo efeito Ômega, conforme ela sentia em sua mente o riso da condutora mais velha, que se transformara na Mãe Primordial.


Então tudo ficou branco.


Quando despertou, Cristal estava vivendo uma vida normal, tinha pais adotivos amorosos, estava estudando numa faculdade de arte, tinha uma namorada e um grupo de melhores amigas.


A vida era boa.


Certa noite, ao voltar para o apartamento que estava dividindo com Soraia, ambas conversando sobre o almoço que teriam no fim de semana na casa dos pais dela, coisas estranhas começaram a acontecer.


De repente, numa esquina próxima ela viu uma menina que podia jurar que conhecia de algum lugar, mas antes que Cristal pudesse dar um passo na direção dela, a garotinha sumiu.


Era como se tivesse evaporado.


A partir daquele dia a vida perfeita da moça foi desmoronando.


Primeiro começaram as dores de cabeça, provocando alucinações com um mundo diferente, com uma versão dela já adulta, que a perseguia por cenários estranhos, ora parecia estar em algum ponto de uma das grandes guerras do passado, hora num local que lembrava os filmes de ficção sobre futuros apocalípticos que ela adorava ver.


A situação piorava sempre que ela via a menina, muitas vezes apenas de relance, outras ela chegava tão perto que Cristal quase conseguia tocá-la.


A garota não se concentrava mais nas aulas, tinha um senso de urgência no peito, os pais e Soraia diziam que deveria se tratar de uma crise de ansiedade, que era extremamente comum a alguns alunos nas épocas de provas finais.


Foi numa manhã em que ela estava correndo no Parque do Ibirapuera, faziam meses que ela não via a estranha criança, nem enfrentava nenhuma prova difícil demais, que seu mundo acabou.


Em meio a corrida ela sentiu uma fisgada na altura do peito, caindo de joelhos e levando a mão à camiseta que estava vestindo, um horror crescente tomou conta dela quando se viu sozinha no parque, achando que podia estar no meio de um ataque cardíaco.


Ela abaixou a cabeça, os olhos derramando lágrimas fartas, já se despedindo da vida, lamentando tudo o que não havia vivido, desejando ter tido apenas mais um pouco de tempo com aqueles que ela amava.


Não temos tempo… ― Cristal sentiu alguém pegar seu queixo, erguê-lo e, quando teve coragem de abrir os olhos, reconheceu a criança. ― Ela tá vindo… Você precisa se levantar. Já!


Um jorro de adrenalina se espalhou pelo seu corpo e quando seus olhos fixaram nos da menina, foi como se sua mente se abrisse e finalmente o véu de mentiras que havia sido construído ao seu redor foi retirado.


Elas se abraçaram, mas o momento terno do reencontro foi interrompido.


Filha?


Cristal se voltou e lá estavam seus pais adotivos e Soraia, pareciam ter surgido do nada, olhos vidrados nas duas, começando a emitir um brilho levemente esverdeado.


Vamos!


Cristal pegou sua versão mais jovem no colo e correu como nunca na direção da saída do parque, suas memórias e capacidades retornando a cada passo que dava.


Assim que viu o portão pelo qual conseguiria sair, ignorando os sons de algo grande que as perseguia, Cristal se concentrou ao máximo e, assim que saiu do parque, uma imensa moto estava à sua espera.


Você sabe andar nisso?


Hã… Claro… Se segura!


Foram necessárias mais de cinco tentativas até Cristal ligar a moto cronal e já era possível ver um imenso secular, formado a partir dos entes queridos dela, que haviam sido criados apenas para mantê-la sob controle naquela nova realidade.


Ele tá chegando! ― a pequena Condutora apertava ainda mais a cintura de sua versão mais velha, que continuava tentando ligar a moto. ― Ele tá quase aqui!


Cristal se concentrou, uma raiva crescente no peito, pela frustração de nem conseguir dar a partida, quando de seu corpo pareceu emanar uma estranha energia que envolveu ela, a menina e a moto.


No instante seguinte partiram pelas ruas de São Paulo.


Prá onde vamos?!


Eu tenho uma ideia! Se segura!


A moto cronal aumentou a velocidade e, em um instante, as duas Condutoras desapareceram daquela realidade.


Começava assim a resistência contra os planos da Mãe Primordial.



Continua.


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