Domínio Mítico - Cicatrizes - Capítulo #1

 



Olá queridos leitores.

A pouco tempo lancei (finalmente) meu livro "Domínio Mítico - Cicatrizes" e agora preparei esse post para dar mais um incentivo para que mais pessoas se interessem, uma vez que eu sei o quanto é difícil investir tempo em dinheiro em um livro de um autor totalmente desconhecido.

Pensando nisso, disponibilizo aqui o primeiro capítulo completo para uma "degustação" dos leitores e, se der certo, segue o link para a compra do livro:

https://loja.uiclap.com/titulo/ua61122/

Sem mais delongas... Boa leitura.




1.


Antes de uma luta as cicatrizes sempre ardem como se estivessem prestes a se abrir, a boca fica seca, os músculos se enrijecem, os punhos abrem e fecham algumas vezes, antevendo os ossos que vão quebrar e a dor que vão espalhar.


Como eu adoro isso.”


O som da plateia chegava até a coxia improvisada, onde o lutador começava seu ritual para tentar relaxar a tensão que antecedia mais uma noite em que ele entraria na Jaula, sem a certeza de que sairia inteiro, ou mesmo vivo.


O chão de onde ele estava era de cimento mal e porcamente rebocado, deixando uma grossa camada de poeira nas solas de suas botas, conforme ele andava de um lado para o outro, como animal enjaulado, procurando no interior de seu espírito a paz que precisava para focar na luta.


O roupão que ele usava, feito com um tecido vagabundo que seu agente jurava que era cetim, começava a grudar no suor que escorria por toda a extensão da pele nua de seu tronco e braços, ele mal podia esperar para tirar aquilo.


Faz parte do show entrar com esse tipo de roupão moleque! ― Tenório era um dos poucos que chegava perto do rapaz enquanto ele estava daquele jeito, qualquer palavra dita fora de hora poderia ser o estopim para a explosão que se formava. ― Eu sei que aqui em Parintins faz um calor da porra, mas moleque... Tu já viu como ficam as franguinhas quando te veem nessa roupa? Já, já vamos poder vender umas toalhas suadas prás mais animadas...


Ele soltou um riso sincero, enquanto segurava a barriga cada vez mais proeminente e, logo depois, passou um lenço encardido sobre a careca suada, guardando-o num dos bolsos de trás da calça jeans surrada, que um dia deve ter tido uma coloração azul escuro.


No momento que viu um dos organizadores da luta daquela noite, Tenório se afastou rapidamente, indo puxar alguns sacos para tentar conseguir espaço num dos disputados camarins com ar condicionado, sempre reservados para os ricaços que bancavam aquele tipo de evento.


Tem certeza de que tu tá legal, Aram? ― aproveitando a deixa, Paola se aproximou, segurando as mãos do pupilo que, como sempre, começavam a tremer lentamente conforme a hora da luta se avizinhava. ― Detesto o jeito que o Tenório fala... Parece até que a gente vai lutar numa daquelas arenas chiques dos Estados Unidos...


Deixa ele... ― gotas de suor continuavam a brotar por todo o corpo do lutador, a ansiedade para liberar o que ele trazia por dentro aumentava cada vez mais, tanto quanto o prazer de ouvir seu nome nativo saindo da boca carnuda de sua treinadora. ― Contanto que ele continue arranjando essas lutas ele pode achar que é o próximo Larry King... Tô nem aí prá isso...


Paola passou de leve a mão ao longo da pele de Aram, sentindo as cicatrizes que tomavam boa parte do peitoral, bem como dos braços dele, formando um padrão único, que apenas alguém muito íntimo do lutador de origem indígena poderia tocar daquele jeito.


Era também um convite e um lembrete de que, após aquela luta, eles deveriam se encontrar para o “treino” especial e pessoal que havia se tornado costume entre os dois.


Com um leve sorriso, quase triste na forma como foi dado, Aram tomou de leve a mão da garota e a afastou carinhosamente.


Algo dentro dele, não saberia dizer se era instinto, ou algo mais, praticamente gritava para que ele se preparasse para uma luta extremamente difícil.


E agora o evento principal da noite!


Tenório ressurgiu parecendo contrariado na coxia, amaldiçoando em silêncio os organizadores, por não lhe permitir ficar em algum lugar mais de acordo com a importância do agente do melhor lutador daquelas bandas.


Tá na hora moleque... Mostra prá esses putos quem é que manda aqui!


Um tapa ardido no ombro de Aram pareceu surtir o efeito desejado e enfim o lutador se colocou a andar na direção do corredor que o levaria até o local onde ele, mais uma vez, colocaria a vida em jogo.


A Jaula. Uma construção impressionante, de base octogonal, erguendo-se imponente por vários metros, terminando por se fechar na parte do alto, tal qual uma gaiola.


Na maioria dos casos de arenas assim, o normal seria usar alambrados para ligar as colunas de metal, mas, no caso da Jaula esse espaço sempre era preenchido com arames farpados, ligados de forma caótica, por frestas pequenas o suficiente para impedir que um corpo de tamanho humano passasse, mas com brechas largas o suficiente para que um braço ou uma perna pudessem ser colocados para fora.


Em eventos passados amputações ocorreram por conta desses “detalhes”, pensados pelos organizadores justamente para deixar ainda mais claro o quanto as lutas na Jaula eram especiais.


E por isso mesmo os ingressos eram escandalosamente caros.


E com vocês, o melhor lutador que já apareceu por aqui! Invicto a mais de quinze lutas! ― o apresentador, que também fazia as vezes de juiz, Antônio Zéfiro, estendia as três últimas letras tentando arrancar ainda mais urras da plateia, ávida por violência. ― O deus indígena do Sol! Aram!


E então o lutador entrou no corredor que dava diretamente até uma das entradas da Jaula.


Aram vinha gingando o corpo, fazendo movimentos rotatórios com os ombros, deixando os músculos bem desenvolvidos, mas sem exageros, à mostra, fazendo com que as mulheres presentes não economizassem nos assobios e gritos de “gostoso”.


Assim que chegou à pequena escada de três degraus que o separavam no interior da arena, ele finalmente retirou o roupão, jogando-o com gosto o mais longe possível, para só então entrar, ficando no aguardo do adversário daquela noite.


Em seu rosto um sorriso de animação crescia.


Paola adorava aquele momento, quando seu aluno e amante finalmente parecia entrar em um mundo ao qual realmente pertencia, deixando de lado o modo taciturno, que uma vida anterior, cheia de tragédias, havia marcado a fogo em Aram.


Ali, em seu elemento, ele realmente parecia refulgir como um sol.


A pele bronzeada do lutador só deixaria de ser perfeita por causa das inúmeras cicatrizes, ele abria e fechava as mãos num movimento intenso, Paola já sabia a respeito de toda tensão que tomava o namorado antes de uma luta, mas não conseguia parar de achar tal comportamento excitante.


Dos tempos em que Aram ainda vivia numa tribo, mal se percebia algum traço racial, além da cor de cobre de sua pele, ou alguns detalhes óbvios do rosto, nem mesmo o cabelo em forma de cuia ele manteve, deixando-os cortados de forma selvagem e arrepiados.


Ele trajava uma calça de moletom preto simples, ornado apenas com uma faixa verde do lado direito e cujas pontas desapareciam em duas botas de estilo militar, ambas com as pontas metálicas devidamente pintadas de preto, um presente de última hora de Tenório.


Acho que tu pode precisar hoje, moleque.


As palavras causaram breve estranhamento em Aram, mesmo com ele já tendo aprendido a confiar nos instintos do velho Tenório, mas, uma vez dentro da Jaula, ele não poderia se dar ao luxo de se preocupar com mais nada.


Vencer era sua principal preocupação.


E deem as boas-vindas ao desafiante de hoje! ― conforme Zéfiro ia falando a multidão ficou em silêncio sepulcral, quando foi se aproximando uma figura humana, extremamente alta, certeza de ter mais de dois metros, usando uma capa que deixava claro ser de cetim. ― O... Como ele mesmo se chamou... Deixa eu ver... Ah! Sim... Lorde das trevas... Draco!


Conforme a última sílaba ainda ecoava por todo o local, o ser humano mais lindo, que todos os presentes já haviam visto, finalmente se despiu da capa que lhe protegia a identidade e entrou na Jaula.


Incrível o silêncio que havia se formando, todos pareciam hipnotizados pela entrada do recém-chegado e acreditavam que poderiam permanecer para sempre naquele estado de letargia, se o apresentador não retomasse a narração.


Muito bem, muito bem, está na hora!


Aram também parecia se recuperar do estado de letargia, bem na hora em que o já conhecido ardor começava a se espalhar por seu corpo, era como se milhares de agulhas o espetassem.


Naquele exato momento todos os presentes compartilhavam da mesma sensação, uma novidade para poucos, mas já conhecida pela grande maioria.


O tecido da realidade começava a se transformar.


Num momento tudo estava normal, logo depois era como se todo e qualquer movimento ficasse ligeiramente mais rápido, causando uma inicial reação de mal-estar, muitos presentes chegaram a vomitar, tudo devidamente limpo o mais rápido possível por pessoas contratadas exatamente para lidar com isso.


Isso pessoal! Sejam todos bem-vindos ao Paraíso!


Era assim que os organizadores da Batalha na Jaula chamavam aquele efeito ambiental, poucos o entendiam na verdade, pois apenas o que interessava era que, enquanto o Paraíso estivesse acionado, quem olhasse de fora, mesmo que tentasse focar a visão, conseguiria apenas distinguir uma área de floresta meio desfocada nos arredores de Parintins.


Nada que chamasse demais a atenção de pessoas normais, ou das autoridades.


Um urro animalesco fez todos voltarem a atenção para o lutador que havia congelado os presentes com sua beleza.


Sua imagem parecia ir se desvanecendo pouco a pouco, tal qual uma névoa que é soprada pelo vento, encerrando sua ilusão de perfeição.


Merda... ― Aram erguia os punhos assumindo uma posição de combate, conforme a verdade ia se revelando. ― Era só o que me faltava...


Uma imensa criatura de pele acinzentava ia surgindo no lugar do belo lutador, músculos imensos e improváveis iam se retesando, conforme ele ia se preparando para a luta, a calça azul escura ia ficando mais e mais apertada, parecendo prestes a rasgar.


Lembrem-se das regras... Não há regras... A luta só acaba quando um dos lutadores está sem sentidos... Seja desmaiado... Ou morto... Comecem!


As orelhas já apresentavam pontas exageradas, o nariz nada mais era que duas fendas, o lábio superior se rasgou em dois lugares dando passarem para imensas presas pontiagudas, conforme o restante da mandíbula estalava e aumentava de tamanho, ficando com fileiras imensas de dentes.


Finalmente tudo fazia sentido, desde a forma do "companheiro perfeito", que todos os presentes sentiram, nada mais que uma ilusão formada pela mente da criatura, usado para atrair suas vítimas, com a imagem do parceiro ou parceira ideal.


Um truque que fez milhares de vítimas nos últimos séculos.


Aram agora sabia exatamente quem era seu oponente e uma parte de si estava frenética com a oportunidade de bater de frente contra um dos mais míticos e antigos monstros conhecidos da humanidade.


Naquela noite ele enfrentaria um Vampiro.



Postar um comentário

0 Comentários