4. Saindo da zona de conforto.

 


Quando se tem que ir, se tem que ir.

Na sexta feirta passada, devido a vários fatores pessoais, acabei não postando esse título que, até por causa do nome que lhe dei, deveria sim sair toda Sexta, mas hoje não teve como falhar, portanto... Aqui estamos.

A preocupação com sua mãe fez Fred Dantas tomar a perigosa decisão de sair de seu abrigo e buscar maneiras de chegar até ela.

Se vai conseguir? 

É o que vamos descobrir agora.

Portanto... Sem mais delongas... Boa leitura.


4. Saindo da zona de conforto.

 

Dantas se movia num estado quase febril, procurando por qualquer coisa que pudesse servir de proteção contra os monstros e logo estava de joelhos diante da escrivaninha, conferindo o que conseguira reunir.

 

O perfurador seria mantido como arma principal, ele havia constatado sua eficiência “in loco”, um cabo de vassoura teve uma das pontas afiadas, serviria para manter as criaturas longe dele e, no mesmo armário de vassouras, havia uma mochila, que ele encheu com o que cabia de alimentos e água.

 

Num surto de criatividade, ele pegou todos os panos de chão que encontrou e usando fita adesiva larga, improvisou proteções para seus braços e pernas, deixando alguns para seu pescoço e até um sobre a cabeça, como um capuz.

 

Uma olhada no espelho e o rapaz sentiu-se confiante para seguir até a janela coberta, querendo planejar os próximos passos.

 

Afastando as madeiras ele arriscou olhar para as ruas, percebendo que poucos zumbis se arrastavam pelas mesmas, em meio a uma bagunça de carros batidos, destroços diversos e, o mais impressionante, muitas manchas vermelhas, espalhadas tanto no chão quanto nas paredes próximas, indicando o estrago feito em tão pouco tempo.

 

Ele piscou algumas vezes, quando voltou seu olhar para a área próxima da calçada diante do edifício e percebeu os corpos das pessoas que haviam saltado do topo.

 

Dantas respirou fundo, não podia nem sequer cogitar passar mal naquele momento, por isso reforçou a imagem da mãe na mente, controlando assim até mesmo o tremor das mãos, tentando focar além da carnificina.

 

Conseguiu ver um carro que parecia inteiro, com uma das portas abertas e com o espaço diante dele, na rua, livre para passar, sendo a melhor e mais perfeita saída que ele conseguiu visualizar.

 

Teria que contar com muita sorte, mas era isso ou deixar sua mãe sozinha, por isso não havia escolha.

 

O maior problema era ter que descer os quase dez andares que o separavam daquela rota de fuga.

 

Sentindo uma paz completamente fora dos padrões para alguém naquela situação, Dantas seguiu até a pequena copa e preparou uma grande caneca de café, que foi sorvido aos poucos, sem pressa.

 

Tudo para reunir coragem e dar o primeiro passo para fora de sua “caverna” de segurança.

 

Foi preciso mais três canecas de café, até esvaziar o jarro e, finalmente, acabarem as desculpas.

 

Se armando com toda a coragem que a situação permitia, ele finalmente se colocou diante da porta e, conforme seu coração parecia prestes a sair pela boca, com muito cuidado e tentando ser o mais silencioso possível, ele abaixou a maçaneta.

 

Logo estava andando pelo corredor, seguindo à sua direita, pé ante pé, tentando até mesmo controlar a respiração, para evitar todo e qualquer barulho.

 

Parou diante do elevador, mas assim que se imaginou preso lá dentro, no caso de uma perda total da eletricidade do prédio, descartou essa opção e seguiu mais alguns metros até a escada central.

 

A porta que dava acesso às escadas de emergência estava próxima e entreaberta, mas acabou sendo descartada, pois logo Dantas imaginou o tanto de pessoas que também deveriam ter tentado escapar por lá e foram pegas, o que poderia ter deixado o local infestado.

 

Com o coração quase pulando da garganta, ele decidiu pelas escadas normais.

 

Com o cabo de vassoura em punho, ele foi descendo vagarosamente, as luzes das escadas e corredores ainda estavam acesas, mas o silêncio sepulcral só servia para deixá-lo mais e mais apreensivo.

 

Não era possível saber se mais alguém estava vivo por detrás das portas dos andares, ele até pensou em tentar algumas maçanetas, mas como seu objetivo era exatamente sair do prédio, resolveu que não valeria a pena arriscar.

 

Seu ânimo e coragem foram se renovando a cada andar pelo qual passava, mas quando chegou ao terceiro, tão próximo de seu objetivo, finalmente o que mais temia aconteceu.

 

Pouco antes de começar o lance de escadas do segundo andar, foi possível avistar uma das criaturas, deitada sobre o que parecia um corpo estatelado no chão.

 

Primeiro o cheiro quase fez Dantas vomitar, depois o som de mastigação que vinha da boca do zumbi e ecoava de forma quase obscena pelo ar, quase o fez gritar de horror.

 

Mas, de forma impressionante até mesmo para ele, conseguiu se controlar

 

Estava tão próximo, Dantas não queria, não podia sequer pensar em voltar atrás, por isso ergueu o cabo de vassoura e preparou para atingir o monstro na nuca, sem lhe dar nenhuma chance de revidar.

 

A poucos metros da criatura, no entanto, por estar tão concentrado, o estagiário não reparou no celular caído no chão e acabou por pisar no aparelho, o que resultou num leve barulho de vidro trincando.

 

No silêncio do corredor foi o que bastou para chamar a atenção do zumbi, que imediatamente se voltou para Dantas, que ficou petrificado ao ver que não era um homem diante dele, mas uma moça, uma jovem moça que ele conhecia bem.

 

― Ka… Kamila?

 

A moça, que durante mais de um ano fora o objeto de desejo do jovem estagiário, foi se erguendo devagar, seu braço direito fora cortado ao meio, devorado para ser mais preciso, a pele outrora rosada, quase branca, exibia um tom acinzentado e doentio, da boca, agora emplastrada de sangue, deixando pedaços de carne caírem sem nenhum esforço de mantê-los lá dentro, saía também uma névoa, indicando a alta temperatura interna dela.

 

Em um nível quase primitivo, a mente do jovem esperava alguma reação que indicasse que ela o reconhecera, depois de tanto tempo que ele investira em conquistá-la, mas a cada passo era claro que não aconteceria.

 

Sem aviso algum ela escancarou a boca, e deu alguns passos mais decididos na direção dele.

 

O que ocorreu em seguida foi um borrão.

 

Quando Dantas pareceu voltar a si, ele estava com a vassoura em riste, vendo a ponta afiada desaparecendo dentro da boca daquilo que, um dia, foi Kamila da tesouraria e que agora não passava de um zumbi, que ia tendo os últimos estertores da sua “segunda morte”.

 

Ele foi descendo sua arma lentamente, ainda sem acreditar no que fizera, o medo dela atrair outras criaturas superou todo e qualquer outro sentimento que ele tivera no passado recente.

 

Sem pensar direito, apoiou seu pé esquerdo bem no meio do peito da criatura, puxando com vigor o cabo de vassoura para, após alguns instantes perdido em pensamentos sobre o que acabara de fazer,  continuar descendo os andares.

 

Naquele momento tudo o que interessava era ganhar as ruas da cidade e, com muita sorte, conseguir entrar no carro e ir até sua casa, a tempo de salvar sua mãe.

 

Ele decidiu apertar o passo e logo já estava no saguão do edifício, conseguindo chegar às portas de vidro sem nenhum outro incidente.

 

“Isso precisa dar certo…” com uma oração, ele foi abrindo a porta com todo cuidado possível, depois de perceber que alguns zumbis estavam vagando sem rumo ali perto, mas deixando o caminho livre até o carro que ele vira do escritório.

 

Uma parte de si se arrependia por não ter permanecido no esconderijo, mas a outra, a que comandara suas ações até ali, totalmente preocupado com sua mãe, fez com que ele saísse correndo do prédio, forçando um grito de pânico a morrer em sua garganta, conforme percebia que seu movimento chamara a atenção de alguns monstros.

 

Dantas praticamente mergulhou dentro do SUV, fechando a porta do veículo com violência, o que terminou por atrair o restante dos zumbis daquela área.

 

O rapaz nunca rezara tanto em toda sua vida, procurando freneticamente por qualquer sinal de uma chave, se lembrando que não fazia ideia de como realizar uma ligação direta.

 

― Caralho! Obrigado papai do céu!

 

Ele pegou a chave, que estava caída no piso em frente ao banco do passageiro, girou no contato e, com um grito de alegria incontida, ouviu o motor roncar.

 

Dando mais graças por ter tirado sua carteira de motorista, poucas semanas atrás, ele engatou a primeira, acelerou e, dando vazão para a frustração e ódio que sentia das criaturas que estavam começando a se agrupar perto do veículo, avançou sem se importar se atropelava ou não quem quer que entrasse em seu caminho.

 

Salvar sua mãe.

 

Era o atual e urgente motivo que o faria seguir em frente.

 

Qualquer outra coisa que o futuro, próximo ou não, viesse lhe trazer, Fred Dantas encararia apenas quando fosse necessário.

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2 Comentários

  1. Aqui, a coisa começa a ficar mais sombria e pesada.

    Muito mais que os zumbis, o que mais assola Fred Dantas é a sua tênue sanidade mental.

    O desespero, quando prolongado leva o indivíduo a não mais discernir o que é certo ou errado.

    Se matar , matou, se atropelar, atropelou... Pouco importa!

    O importante é se safar e salvar a pessoa que ele mais ama: sua mãe.

    O clima de terror colocado por você ficou na medida certa.

    Parabéns por isso!

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    1. Muito obrigado pela leitura e comentário.
      realmente eu quis passar bem como ficaria o pscológico de alguém isolado, preso e com o desespero ao extremo, causado por um motivo forte o suficiente para levá-lo a sair do lugar onde estava seguro.

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