Às vezes, a infância acaba cedo demais.
Boa Sexta!
Hoje continuamos seguindo a história do pequeno Guto/Tugo.
Será que ele(s) vai conseguir sobreviver ao passeio no shopping tomado por zumbis?
Vamos descobrir já!
Portanto... Sem mais delongas...
Boa leitura!
8. Ficando à vontade.
Às dezessete horas, no dia que viria a ser conhecida como a "Sexta Z", o casal Rubens e Isadora tentava segurar as lágrimas, conforme ouviam do psicólogo o diagnóstico que tanto tentavam negar.
— Realmente o Gustavo possui um grau de psicopatia muito elevado… Acredito que nunca foi registrado uma situação como a dele, numa pessoa tão jovem… Claro que podem procurar qualquer outro especialista para uma segunda opinião, mas eu sugiro que o tratamento, bem como a internação deveriam ser imediatas…
Choro, abraços e, até mesmo, acusações entre um pai e uma mãe devastados, obrigados a encarar uma realidade pela qual nenhum pai ou mãe deveria sequer pensar em passar.
— Nós… — Rubens se levantou, olhos vermelhos se tanto serem esfregados. — Nós prometemos levá-lo para passear no shopping hoje… Eu… Nós… Eu… Nós podemos, ao menos, ter esse último momento de… Hum… Normalidade, antes de… De… Prendermos nosso filho num manicômio?
— O nosso instituto de cuidados mentais é o melhor do país, mas não posso forçá-los a nada… Mas, outra vez, reforço que algo deve ser feito logo, pois temo que, na escalada de agressões a terceiros em que seu filho se encontra, na próxima vez que ele atacar, não será apenas um gato ou um cachorro…
De fato, horas depois, quando o surto zumbi se abateu sobre o mesmo shopping, para onde os pais de Guto o haviam levado para passear, o garoto enterrara uma faca na cabeça de um dos mortos-vivos.
E não se abalou.
“Pode deixar Tugo… Eu não vou ter medo.” conforme ia andando pelos cantos, aproveitando cada pequeno lugar para se esconder, Guto tentava se manter calmo, falando para si mesmo, ou melhor, para seu amigo imaginário “Sim… A cabeça deles não é tão dura… e se acertar no lugar certo ela é até molinha… Tipo a do Fofucho…”
O garoto não conseguiu evitar uma onda de tristeza ao relembrar de um dos gatos que ele tivera e que, graças aos planos “científicos” de Tugo, acabou totalmente esfolado, um dos motivos pelos quais seus pais haviam decidido que deveriam procurar ajuda.
“Tá bom… Tá bom… Não é hora de ficar triste… Você tá certo… Mais cinco minutos e daí a gente vai pra lá…”
Realmente, logo Guto saía de seu esconderijo, conseguindo evitar um grupo de cinco zumbis que arrastava os pés na direção de uma loja de cama, mesa e banho que, assim como fizeram na lanchonete, teve suas portas abaixadas por alguns sobreviventes.
“É mesmo… Nem sinal deles… Mas você tem certeza de que eles correram pra esse lado? Não! Não duvido de você não Tugo! Desculpa, desculpa, desculpa…”
Os olhos do garoto se encheram de lágrimas, conforme seu amigo o recriminava por ter duvidado de suas palavras, por isso ele parou de tentar qualquer questionamento e seguia as orientações à risca.
Logo ele já se encontrava enfiado entre uma coluna e um bebedouro, num lugar em que só mesmo seu corpinho caberia, segurando firme o cabo do cutelo que pegara na lanchonete, conforme um zumbi, que um dia deve ter sido uma mulher, ia se arrastando pelo corredor à sua frente.
A metade de baixo de seu tronco já não existia mais e ela seguia deixando um rastro quente e escuro para trás.
Guto observava aquilo sem demonstrar o menor sinal de ojeriza, ou medo, ou qualquer outro sentimento que um ser humano normal, ainda mais com apenas dez anos, demonstraria.
Pelo contrário, em sua mente vários cenários iam se construindo, tentando chegar até a melhor maneira de atacar e eliminar o monstro e, mesmo sem perceber, ele exibia um imenso sorrido de alegria, conforme sua mão ia apertando com força o cabo de sua arma.
Assim que começou a dar o primeiro passo, no entanto, ele percebeu a aproximação de outros sobreviventes, um grupo formado por três homens adultos, quatro mulheres, duas crianças mais ou menos do tamanho de Guto e, pelo que ele viu nos braços de uma delas, ao menos, havia um bebê com eles.
"Vou sobreviver mamãe… Pode deixar…"
Foi só depois de planejar o que faria a seguir, depois de uma rápida discussão mental com Tugo, que o garoto, após esconder o cutelo na mochila, resolveu cambalear para fora de seu esconderijo.
— Meu Deus! — uma das moças do grupo, após perceber que Guto não era um zumbi, rapidamente o abraçou. — O coitado estava sozinho escondido aqui... Precisamos levar ele com a gente.
"Sobreviver..."
Desse modo Guto entrava em um novo grupo.
XXX
Renata era atendente de uma das dezenas de lojas de eletrônicos do shopping e não conseguiu evitar de reparar na jovem mulher, que trazia nos braços um pequeno embrulho, cujos barulhos deixavam claro se tratar de um bebê.
Ela se aproximou, já pronta para brincar com a criança, uma velha técnica usada para conseguir pontos com a cliente, mas que Renata fazia de bom grado, uma vez que adorava crianças.
Ainda assim ela não conseguiu reagir, quando um zumbi invadiu a loja, agarrando a mãe pelos ombros e cravando os dentes no ombro direito dela, que reagiu ao ataque de forma desesperada.
Foi assim que ela acabou largando o bebê, que Renata conseguiu pegar por reflexo, evitando até que ele acordasse, mas não pode se mover para ajudar a mulher, que acabara de perder um grande naco de carne de seu ombro.
— Tira meu filho daqui! Leva o Gabriel!
Logo a mulher apenas urrava de dor, ao sentir outra dentada, agora no meio de suas costas, sentindo os dentes apodrecidos e quentes roçando nos ossos de sua coluna.
Segurando com força o pequeno ser que fora colocado sob sua proteção, Renata conseguiu sair da loja, evitando o monstro que continuava mordendo a mãe, cujo nome ela nem ficou sabendo.
Ao chegar no corredor, entretanto, só havia o inferno à sua frente.
— Meu pai do céu!
— Moça! Corre!
Dois homens vinham correndo em sua direção, fugindo de um grupo inteiro de zumbis e, totalmente sem outra opção, Renata seguiu com eles.
XXX
— Demos sorte… Os filhasdaputa não chegaram nessa parte do shopping… O corredor das lojas de móveis é onde tem menos movimento…
Guto apenas ouvia o que os adultos estavam discutindo, como sempre, um deles assumia a liderança, nesse momento o escolhido da vez era César, um cara alto e forte, que se mantinha atrás da porta, vigiando.
— Sim, mas logo, logo eles devem chegar até aqui… — Agora era Sandro, um dos funcionários da manutenção do shopping, quem falava. — Precisamos ficar em silêncio… Sei lá se esses bichos são ou não atraídos pelo som…
Percebendo a indireta, Renata tentava mais uma vez fazer Gabriel parar de chorar, ela não pedira por tamanha responsabilidade, mas como em tudo na sua vida, agora precisava encarar e vencer mais aquele desafio.
— Calma lindinho… Calma…
Guto sentiu um tremor no canto de seu olho esquerdo, conforme ouvia as palavras de Tugo e só depois de uma breve e acalorada discussão mental, ele se ergueu e foi andando até o bebê.
Assim que chegou perto o suficiente, o menino estendeu sua mão, que ele já tinha limpado do sangue do zumbi que matara, começando a acariciar a cabeça do bebê, com uma delicadeza que surpreendeu Renata, conforme o pequeno Gabriel ia se acalmando e ficando em silêncio.
— Nossa… Valeu pequeno… Ajudou pacas a titia aqui… Como é seu nome mesmo?
— Guto… Digo, Gustavo…
— Guto… Muito obrigada mesmo…
A moça passou um braço pelo pescoço do garoto, num desajeitado gesto de agradecimento e logo se ajeitou numa poltrona, perdida em pensamentos a respeito do pequeno ser que fora confiado a seus cuidados.
O futuro não parecia muito promissor.
Logo os adultos começaram a conversar e se apresentar. Além de César, Sandro e Renata, os demais adultos eram David, Carla, Jéssica, Ana e as crianças Thiago e Patrícia.
Ambos estavam sendo amparados por duas das moças e, enquanto Ana ia oferecer ajuda a Renata com o bebê, os três rapazes ficavam juntos perto da entrada da loja, discutindo quais os melhores caminhos a seguir.
Guto também estava em uma longa e ferrenha discussão com Tugo, que queria matar todos no grupo assim que dormissem, não querendo mais aceitar ordens de adultos, enquanto o garoto estava mais inclinado a dar alguma chance para eles, principalmente pela presença de Gabriel.
Ele sempre quis um irmãozinho.
Ambos silenciaram, assim como os demais presentes, quando um grupo de zumbis começou a seguir pelo corredor diante da loja, mas enquanto todos pretendiam apenas evitar atrair os zumbis, Guto mantinha os olhos arregalados por outro motivo.
Andando na frente da coluna de mortos-vivos estavam aqueles que ele procurava.
Rubens e Isadora seguiam arrastando seus pés, a pele estava acinzentada, os dentes à mostra, mas Guto sempre reconheceria seus pais, não importa como estivessem.
Ao finalmente vê-los, o garoto decidiu seu próximo passo.
4 Comentários
Assustador.
ResponderExcluirTugo , na verdade é as trevas interiores do pequeno Guto.
Você conseguiu narrar um quadro de psicopatia somado a esquizofrenia com muito detalhamento e propriedade.
Não é fácil narrar esse turbihão de pensamentos , essas alternâncias complexas de uma mente assim tão perturbada, apesar de ser uma criança, o que é mais assutador ainda.
Eu sinceramnte temo pelos futuro do grupo de pessoas a quais ele se juntou.
Não bastassem os zumbis, temos agora o psicopata sem limites.
Parabéns pelo objetivo alcançado!
Valeu pela leitura e comentário.
ExcluirFico feliz por ter acertado no tom do quadro clínico do Guto.
Brigadão mesmo
Esse episódio, me leva a divagar sobre coisas que as vezes perturbam bastante... Até que ponto uma pessoa é realmente má? Exemplo, Guto seria um psicopata sem a influência de Tugo? Ele teria prazer em matar e fazer sentir dor sem a insistência de Tugo? Ou talvez ele seja apenas "fraco" em suas decisões e em sua capacidade de se impor, ao invés de realmente maligno? É claro que, no frigir dos ovos e no tipo, um julgamento sobre, Guto seria culpado de qualquer forma, pois ou foi interesse em causar mal ou, foi incapaz de controlar a si mesmo, em qualquer âmbito ele realmente fazia coisas ruins, mas, seria ele realmente maligno ou alguém que simplesmente, precisava de ajuda e acompanhamento desde sempre e não o teve, sucumbindo à voz de Tugo e se tornando um escravo seguidor de ordens mesmo que essa não fosse sua natureza? Acho interessante esse tipo de abordagem onde ficamos com espaço para essas suposições, uma vez que sem uma "dissecação" da mente do Guto, nunca vamos compreender tal fato! Parabéns meu amigo, excelente episódio!! \0/
ResponderExcluirValeu mesmo amigão! e desculpe pela demora em responder.
ExcluirFico feliz mesmo por ter conseguido criar um personagem com esse tipo de psicopatia e que acabou deixando essa dualidade para que os leitores ficassem divididos entre ter pena do garoto, ou raiva de suas ações.
Esse tipo de discussão é algo que deixa a gente muito feliz e realizado como escritor.
Valeu mesmo pela força de sempre meu irmão!