Óbito Codex #06

 


Quando tudo leva a decisões que precisam ser tomadas.

A ameaça de Madame Licht chega em meio a um péssimo momento, o que pode deixar Matheus ainda mais irado com a Acólita da Igreja da Luz, gerando algo que pode mudar o mundo.

Portanto, sem mais delongas... Boa leitura!

Anteriormente em Óbito Codex


Matheus é um jovem que, ao saber das dificuldades pelas quais sua família estava passando, volta para o Brasil, depois de passar cinco anos viajando pelo mundo, numa jornada para, segundo ele, se preparar para alcançar seus objetivos.

O principal deles?

Enfrentar e vencer o Reverendo Salazar, líder máximo da Igreja da Luz Eterna, antes que o pior aconteça.

Matheus realizou sua vingança de forma brutal, garantindo que os traficantes responsáveis pelo ataque à escola de seu sobrinho nunca mais ameacem ninguém.

Em meio à calmaria surge um encontro, cujo desfecho dará início a algo ainda maior.


Conexão Dimensional

Óbito Codex #06.

Aliados e Amores.

 

Era o assunto principal em todos os portais online de notícia, bem como nos noticiários de vários canais, tanto da TV aberta quanto das pagas ou streamings.

 

“Na madrugada de ontem, muitas pessoas que moram nos arredores do Parque do Ibirapuera relataram o que foi descrito como duas esferas voadoras que se chocavam pelos céus.”

 

“Algumas pessoas, que passavam pelo local, usaram seus celulares para gravar o estranho fenômeno.”

 

“Me dá ibagens!”

 

“Com certeza são os primeiros sinais do fim dos tempos! Arrependei-vos.”

 

“No programa de hoje do podcast Mundo F, vamos revelar toda a verdade que existe entre as esferas de ontem e a futura chegada dos aliens.”

 

Matheus permanecia trancado em seu quarto, deixando toda sua família preocupada, enquanto digeria o que ocorrera na noite passada, mal sabendo que os primeiros passos, que levariam àquela situação, haviam sido dados há alguns dias.

 

Mais especificamente no escritório do Reverendo Salazar, localizado na sede da Igreja da Luz Eterna do Brasil, onde o líder religioso recebia a visita de algumas noviças, que se encontravam sentadas em várias bancadas, nuas, olhos fechados e pernas afastadas, prontas para receber a dádiva de boas vindas daquele que elas viam como seu salvador.

 

Uma a uma as mulheres sentiam como se a própria energia de suas almas escoasse, conforme eram penetradas com força pelo religioso, que sentia-se em êxtase, por conseguir tão facilmente alimento para seu apetite insaciável pela luz existente em cada ser vivo.

 

Mesmo se vendo como um benevolente e piedoso deus da vida, Salazar nada mais era que um tipo de vampiro, um parasita energético que, tendo origem nos primórdios da existência, ascendeu a um patamar quase divino, uma condição que passou a lhe cobrar um alto preço.

 

Dessa forma, com o passar das eras, aquele que escolheu o nome Salazar no planeta Terra, descobriu várias maneiras de absorver a luz e, consequentemente, a vida dos seres ao seu redor.

 

O principal método era criar uma torre que, ao ser acionada, causaria uma onda de destruição que se espalharia por toda realidade, convertendo literalmente tudo em energia luminosa, para que ele continuasse com sua existência profana e conseguisse saltar de uma realidade para outra.

 

Um deus da vida sim, que se alimenta da vida.

 

Violentar as pessoas enganadas por ele fora uma das primeiras maneiras que Salazar havia descoberto para absorver a energia vital alheia, mas, claro, tudo deveria ser feito de modo que as vítimas acreditassem e tivessem tanta fé nele, que jamais veriam tais ações como uma violência.

 

Todas se entregavam de bom grado e sentindo-se felizes ao extremo por terem sido as escolhidas do santo sacerdote.

 

Algumas, porém, conseguiam sair momentaneamente da ilusão criada e tentavam escapar, como a jovem Giselle, vinda do interior, após ser expulsa de casa por sua mãe, quando essa flagrou o padrasto da moça flertando com ela e, após colocar toda a culpa na jovem, acabou sendo mandada embora com, no máximo, as roupas do corpo.

 

Uma vítima fácil para as promessas de redenção e de uma vida segura, oferecidas pela Igreja da Santa Luz.

 

No momento em que Salazar colocou as mãos em seus joelhos, começando a abrir lentamente suas pernas, Giselle saltou para o chão, se desequilibrando e, enquanto tentava se levantar, acabou aceitando a ajuda de uma mão, que parecia ter surgido do nada para ajudá-la.

 

Foi seu último erro.

 

A pobre garota não conseguiu nem mesmo soltar um suspiro que fosse, quando sua energia vital foi completamente absorvida, arrancada de seu corpo à força, o que fez seu corpo murchar rapidamente, se tornando pó antes mesmo de sequer tocar o chão.

 

— Já comi melhores.

 

Madame Licht surgira por um portal, o longo vestido brando esvoaçando, por detrás dela era possível ver o que restara de uma sala, ou quarto, com as paredes chamuscadas e o que pareciam silhuetas humanas feitas de cinzas espalhadas pelas paredes.

 

— E vossa santidade também, não é?

 

Dizendo isso, conforme o portal se fechava às suas costas, a bela mulher se aproximou de Salazar, soltando um grampo que estava sobre seu ombro, o que fez deslisar lentamente seu vestido branco de seda, deixando-a nua, conforme ia caminhando sensualmente.

 

Era como se ela deslizasse pelo ar.

 

Mesmo com movimentos aparentemente delicados, Licht segurou o ombro de Salazar e o afastou da mulher que estava sendo abusada, fazendo-a voar pelo escritório, terminando por se chocar contra uma parede, caindo morta ao chão, o pescoço partido.

 

As demais noviças finalmente pareciam despertar do torpor em que encontravam, resultado dos coquetéis de drogas que eram administradas antes das sessões do reverendo, mas antes delas registrarem o que estava acontecendo e mesmo que abrissem as bocas para gritar por socorro, a recém-chegada, sem pudor algum, já havia deitado Salazar no chão e acabava de se encaixar nele.

 

O sexo durou poucos minutos e então ela ergueu a cabeça, olhos fechados e arfando de prazer, mas quando atingiu o orgasmo, um grito ensurdecedor se espalhou pelo recinto, devidamente protegido para que nenhum som escapasse para o exterior, fazendo com que os ouvidos das pobres mulheres, que assistiam aterrorizadas aquela cena, começassem a sangrar.

 

A agonia causada pelo som emanado do casal foi breve, pois logo os corpos de Salazar e Licht emitiram uma luz cegante que tomou todo o escritório do reverendo.

 

— Como sempre, é um enorme prazer atender à convocação da igreja, vossa santidade.

 

— Sinto o mesmo, minha fiel Apóstola. Sua chegada é o sinal que eu aguardava, para saber que, finalmente, a atual situação será resolvida.

 

— Estou aqui para isso. Me fale mais desse… Kahandrack.

 

Não muito longe dali, enquanto planos eram traçados para derrotá-lo, Matheus permanecia alheio a tal ameaça, aguardando mais uma vez pela saída de seu sobrinho da escola, com sua sobrinha nos braços, a cabecinha deitada no ombro dele.

 

Logo Thomas e seus dois amigos vinham correndo na direção do rapaz, os três sempre se empolgavam em andar com ele, deixando claro como a situação havia melhorado na escola, mesmo em vista do terrível incidente de semanas atrás.

 

— Ah, olá Rita.

 

A professora, como de costume, chegava esbaforida, após uma corrida para alcançar seus alunos, mas, naquele dia, não era com eles que ela precisava falar.

 

— Eu ainda não tinha tido chance de agradecer por você ter ajudado os alunos feridos, no… Naquele dia.

 

— Não foi nada. Meus sobrinhos estavam bem, eu vi que podia ajudar a manter algumas das crianças vivas até o socorro chegar, não tinha como ficar parado né?

 

— Ainda assim eu volto a agradecer e… Será que você não gostaria de, sei lá… Talvez sair para jantar e… Não! Não! Desculpe…

 

— Eu adoraria. — vendo como a professora estava embaraçada, Matheus tomou a mão direita dela nas suas. — Conheço um restaurante muito bom, onde podemos conversar melhor, claro que não pode ser o dos meus pais, senão minha mãe vai te alugar a noite inteira com fotos constrangedoras. Me passa seu número e depois seu endereço que eu te pego lá pelas… Hum… Nove da noite tá bom?

 

— Sim! Sim! Está ótimo.

 

— Então combinado. Até mais tarde, Rita.

 

— Até mais… Matheus.

 

— Que que foi?

 

Assim que chegou no carro, todas as crianças o encaravam com sorrisos maliciosos nos lábios, para logo começarem um coro de “tá namorando” para o  tio de Thomas que, mesmo levemente envergonhado, conseguiu disfarçar, enquanto se colocava atrás do volante, seguindo rápido até os endereços de seus passageiros.

 

Mais tarde o jovem precisou aguentar os conselhos de seus pais e irmão, todos na família pareciam muio mais animados dos que ele com o encontro, na verdade nem mesmo Matheus fazia ideia de porque fizera o convite, uma vez que um envolvimento romântico, com quem fosse, não estava em seus planos de vingança.

 

Dando graças por finalmente ser nove horas da noite, depois de ter seu cabelo todo remexido por sua mãe, que não parava de dizer que ele precisava cortá-lo e sentindo às costas os sorrisos de seu pai e irmão, Matheus finalmente tomou o rumo para a casa de Rita, mandando uma mensagem assim que estacionou seu carro, dizendo que já estava lá.

 

Era um sobrado bem simples, com um jardim localizado ao lado de uma janela, à direita da porta da frente, deixando até mesmo a calçada mais bonita, uma vez que as flores de um Ipê amarelo criaram um verdadeiro tapete sobre o cimento.

 

O jovem reparou em tudo isso de forma rápida e instintiva, mas logo sua atenção foi capturada pela belíssima mulata que saía para a rua, sentindo um frio percorrendo seu estômago, o que o deixou extremamente envergonhado, a ponto de quase esquecer de descer do carro e abrir a porta do passageiro para que Rita entrasse.

 

— Nossa… Você está linda.

 

— Muito obrigada… — era a vez dela sentir-se envergonhada e, sem ter coragem para olhar nos olhos do outro, só conseguiu uma tentativa de disfarçar. — Então… Hã… Aonde vamos?

 

— Ah! Sim, claro. Vamos lá.

 

Horas mais tarde, no restaurante Cocina Unica, o casal havia perdido totalmente a noção das horas.

 

— Amanhã vou zoar muito meu sobrinho. Nunca que eu ia imaginar que ele havia dado um beijinho na Vivian e ainda foi pego no flagra. Ah! Moleque.

 

— Tadinho, não pega no pé dele não. Os dois ficaram muito envergonhados.

 

— Acredite Rita, um zoar o outro é algo que fazemos muito lá em casa.

 

— Espero um dia conhecer os avós do Thomas, além do pai, ele fala muito deles… E de você.

 

— Fazer o que né? Sou um tio muito legal e bacana, além de jovem e bonito.

 

— E nem um pouco convencido não é?

 

Ambos riram e quando Rita deixou sua mão direita ao lado da taça de vinho, Matheus aproveitou para pousar lentamente a dele sobre a dela, olhando bem fundo nos olhos da garota.

 

— Me diverti muito hoje Rita. Como não me divertia a muito tempo.

 

— Eu também, mas, acho que precisamos ir, somos os últimos clientes e o pessoal da cozinha tá olhando pra gente e para seus celulares a um tempo.

 

— Certo. E pode fechar a bolsa, eu pago hoje.

 

— Mas fui eu que te convidei.

 

— Hum… Me convide uma vez mais e daí eu deixo você pagar, que tal?

 

— Vai querer então um segundo encontro?

 

Um sorriso sedutor foi a única resposta do rapaz, que seguiu até o caixa, enquanto Rita ia levantando de forma devagar, tentando disfarçar o nervosismo, o coração batendo rápido, enquanto ficou esperando-o na saída do restaurante.

 

Outra rápida viagem de carro e logo ambos estavam diante da casa da professora.

 

— Bem, está entregue e…

 

A frase foi interrompida quando Rita se adiantou e tomou os lábios de Matheus em um logo e delicioso beijo apaixonado.

 

— De repente você poderia entrar e ficar um pouco mais…

 

Ainda com os braços da mulata ao redor de seu pescoço, além do sabor dos lábios dela em sua boca, o corpo de Matheus gritava para que ele aceitasse o convite, mas, de repente, um frio espalhou-se pela extensão de sua espinha.

 

Uma sensação que ele conhecia muito bem.

 

— Algum problema?

 

— Eu… Desculpa Rita… Acabei de lembrar que preciso fazer algo.

 

— A essa hora? Já sei! Fui muito atirada? Desculpa, eu…

 

A frase foi interrompida por um beijo tão apaixonado quanto o que ela dera no rapaz, deixando Rita sem fôlego.

 

— Eu juro que o que eu mais queria era entrar e ficar com você e não apenas por uma noite, mas eu realmente preciso ir.

 

Matheus se afastou alguns passos, chegando até a abrir a porta de seu carro, mas, de repente, ele voltou até Rita, a tomou em seus braços e deu-lhe outro beijo, antes de olhar bem fundo nos olhos dela.

 

Nenhuma outra palavra precisou ser dita e em minutos ele seguia com seu carro para o mais longe possível da casa daquela que, em tão pouco tempo e sem aviso nenhum, conseguiu um lugar cativo em seu coração.

 

Infelizmente Matheus não teve tempo de pensar no que estava acontecendo, dirigindo rapidamente até o prédio de seus pais, deixou o carro na vaga deles e, após um instante de concentração, desapareceu em meio às sombras de dentro do veículo.

 

— Imagino que queira agradecer a Madame Licht pelo fato de ter esperado seu pequeno encontro terminar, não é?

 

No alto de um prédio, longe do bairro onde estava sua família, Matheus saía de uma sombra, ficando frente a frente com uma bela ruiva, trajada com um vestido de tecido branco e transparente, deixando bem à vista que era a única peça de roupa que ela usava.

 

— Eu sei como são as coisas do coração e percebi na hora que aquela mulher era importante para você, mesmo que você não soubesse, o que aumenta o número de pessoas próximas que podemos usar para te ferir, mas confesso que não sei o que alguém poderoso como você viu naquela negrin…

 

Um urro de dor interrompeu a frase, conforme Madame Licht sentia algo acertando sua face esquerda, de onde veio uma explosão de dor que, ela percebeu em meio a ódio e horror crescentes, provinha de um imenso corte que ia do canto de sua boca até parte da orelha, dividindo ao meio sua bochecha.

 

— … Necromante Supremo! Flagelo!

 

Apenas um pedaço da frase de transformação de Matheus chegou aos ouvidos da acólita, que mantinha suas mãos sobre o ferimento no rosto, ainda sem acreditar que seu inimigo pudesse ser tão rápido.

 

Talloth continua com o hábito de se cercar de servos tão falantes quanto ele.

 

Enquanto falava, Flagelo ergueu sua espada para se defender de um ataque, que pareceu tão rápido quanto o que ele executara, mas, assim que conteve a mão de sua inimiga, agora transformada em longas garras luminosas, com um giro de seu punho, ele ergueu sua lâmina, resultando na amputação da mão de sua inimiga, que novamente urrava de dor.

 

Da lâmina de energia ainda escorria luz em um tipo de forma líquida, o sangue de Salazar, que ele usava para criar seus servos mais poderosos, sua elite.

 

— Em vez de ficar choramingando aí, como se estivesse mesmo sentindo dor, que tal lutarmos a sério?

 

Agora havia apenas silêncio no topo do prédio, sem uma das mãos e deixando de lado o ferimento do rosto, Madame Licht aprumou a postura, mesmo naquele estado lastimável e, após alguns instantes de concentração, assumiu sua forma verdadeira.

 

Ao mesmo tempo Flagelo ergueu sua mão direita por sobre seu ombro esquerdo, fazendo um movimento como se puxasse algo, se preparando para o combate.

 

Em seguida ambos pareceram sumir de onde estavam, deixando para trás pequenas nuvens de poeira, levantadas após o deslocamento em uma velocidade absurda.

 

Começava assim o primeiro embate entre o necromante de outro mundo e a acólita da Igreja da Luz.

 


Postar um comentário

0 Comentários