13. Interlúdio da loucura.

 


Quando a última gota faz o copo transbordar.


Boa Sexta!

Mais uma vez começo aqui pedindo desculpas pela demora em lançar esse capítulo.

Ele serve como um "fechamento" para o arco do Caio, Aqui mostrando os eventos que levaram a velhinha Ai Bao até o que ela fez no capítulo anterior.

Portanto... Sem mais delongas...

Boa leitura!



13. Interlúdio da loucura.


Mesmo no alto de seus quase setenta anos, Ai Bao Ainda não sabia exatamente o que era ser feliz.


Se alguém lhe contasse que seria necessário o mundo acabar para ela descobrir, provavelmente, seria espantado de sua presença debaixo de vassouradas.


Ainda assim, lá estava ela, em plena Sexta Z, algumas horas antes de um inferno, antes apenas visto em filmes, livros e afins, se tornar uma terrível realidade, de pé, diante do marido.


Ou melhor, do que restara do marido, que jazia na cadeira de rodas que o acompanhara nos últimos anos, o topo da cabeça destroçado, enquanto sua esposa descia vagarosamente o taco de baseball, uma das lembranças que ele trouxera da juventude e que tremia nas mãos da idosa, que se mantinha em um silencioso e congelado êxtase.


Tendo chegado no Brasil ainda criança, Ai Bao só conheceu uma vida repleta de obrigações, passando por dezenas de sacrifícios para que seu pai pudesse se estabelecer como um rico comerciante e poder viver com um conforto que, para ele, era impossível na China.


Desde cedo foi trabalhar na pastelaria, sem ninguém para cuidar de suas várias queimaduras, resultado de uma obrigação de trabalhar sem fazer ideia de como sequer fritar um pastel, uma vez que sua mãe era ainda mais subserviente às vontades do patriarca da família.


Não estudou, nunca teve outro trabalho e, pior, quando alcançou os dezoito anos foi obrigada a casar com um homem ainda pior que seu pai, escolhido pelo próprio, após prometer que faria o negócio da família se expandir ainda mais.


Tudo o que Tao conseguiu foi afundar a família em dívidas, causar a morte prematura dos pais de Ai Bang e tornar a vida dela um inferno ainda pior do que aquele em que ela nascera.


Quando Tao teve o primeiro derrame, acabando preso em uma cadeira de rodas, a pobre senhora achou que sua vida melhoraria.


Ledo engano.


Agora Ai Bao tinha que administrar a pastelaria, as dezenas de dívidas feitas pelo marido e ainda por cima cuidar de um inválido, que apenas servia para se cagar por tudo o dia inteiro.


Convencida de que ele fazia aquilo tudo de propósito, numa sexta feira especialmente difícil, ela finalmente cedeu às vontades nefastas que vinham povoando sua mente a anos.


Fechou a pastelaria mais cedo e, assim que chegou em casa pegou o bastão de baseball, que Tao usara quando adolescente e que guardava com carinho, uma lembrança de seus dias de glória, para então acertar o topo da cabeça de seu marido, várias e várias vezes.


Antes mesmo dela sequer pensar no que acabara de fazer, o som de sirenes, gritos, tiros e até mesmo explosões, chegaram ao pequeno apartamento em que morava de aluguel.


Ai Bao olhou pela janela e viu o começo do inferno que viria a ser conhecido como Sexta Z, mas, ainda anestesiada pelo que acabara de fazer, segurou firme o bastão e, antes de sair de casa, tratou de golpear outra vez seu marido, para só então ir embora, até mesmo deixando a porta aberta.


Se um dos monstros atacar e comer esse merda, espero que não tenha dor de barriga…”


Rindo do próprio pensamento, Ai Bao se encaminhou até sua pastelaria, não sem antes dar cabo de vários zumbis, descobrindo uma nova razão de viver.


Destruir tudo aquilo que se colocasse em seu caminho.


A senhora já imaginava que nunca conseguiria fazer algo além de matar zumbis, até mesmo se perguntando se ela seria a última pessoa viva em São Paulo, afinal não vira mais ninguém desde que havia entrado na pastelaria.


Ela já estava aprontando tudo para deixar o gás de cozinha escapar o suficiente para explodir o local, quando ouviu um grupo de jovens passando perto da entrada de serviço nos fundos da pastelaria.


Assim que ela abriu a porta, sem nenhuma outra escolha, todos entraram correndo.


Meu nome é Ai Bao… Eu tinha acabado de fechar quando tudo começou…


Eles estavam tão apavorados que foi extremamente fácil vestir a carapuça de boa avozinha, preparando pastéis para todos e arrumando lugares para eles passarem a noite.


Foi excruciante esperar pelo jovem cadeirante finalmente pegar no sono, Ai Bao até pensou seriamente em agir com ele acordado, mas os riscos eram grandes demais e ela queria muito ver se conseguiria fazer novamente aquela que ela acreditava ser sua verdadeira vocação.


Acostumada como estava em abrir a pastelaria, a senhora conseguiu fazer tudo em silêncio, chamando a atenção de um grupo de zumbis e guiando-os até onde os jovens dormiam, ficando escondida em um local próximo, assistindo ao resultado de seus planos.


Privada de todo e qualquer prazer sua vida inteira, a idosa se perguntou qual a possibilidade se sentir tamanha excitação, conforme aguardava o começo dos gritos, que não demoraram tanto.


Mesmo sem perceber, Ai Bao exibia um imenso sorriso, que se apagou quando percebeu que duas pessoas escapavam de sua armadilha, justo o jovem cadeirante e a menina com quem ele passara horas conversando, provavelmente, pensou ela, enchendo a cabeça da jovem com esperanças.


Ela os seguiu, queria ter certeza de que os dois acabariam na boca de algum zumbi, mas assim que percebeu o cadeirante olhando fixamente para ela, Ai Bao apenas lhe estendeu seu maior e mais perverso sorriso, antes de deixá-los à própria sorte, enquanto ela mesma, após derrubar outros zumbis, tomou o rumo para a região sul da cidade.


Sem nenhum planejamento, apenas porque era um caminho que parecia tão bom quanto qualquer outro.


Em seu caminho, ela sabia e já previa, além de zumbis, com certeza, a renascida Ai Bao, encontraria mais vítimas.


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4 Comentários

  1. Grande Norberto!

    O limite entre a sanidade e a lucura completa é mais tênue do que toda a vã filofia pode prever.

    Em questões de segundos uma pessoa insuspeita pode se tornar o mais medonho assassino.

    Essa transformação de Ai Bao, representa bem isso.

    Com maestria você soube conduzir a proposta narrativa, mostrando o quanto nós, mersos humanos, somos frágeis e inconstantes.

    Matou a pau!

    Meus parabéns!

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    1. Obrigado pela leitura e comentário.
      Como eu coloquei no começo do texto, às vezes, basta uma gota e o copo transborda além dos limites...

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  2. PUTAMERDA!!!! o_o Cara, eu fiquei com pena da véia, achei que ela tinha ajudado eles e que, o que o rapaz tinha visto era um zumbi, no caso a senhora Bao zumbificada e não, a véia trouxe os zumbis até eles porque se tornou uma psicopata, uma pessoa reprimida a vida inteira que agora resolveu "soltar os cachorros" de vez, matando tudo e todos que visse pela frente... E cara, ela ainda achou tempo para entender que o jovem agia como os homens que ela conheceu agiam, estava falando mentiras pra jovem pra dominar ela como foi feito com a própria Bao e isso, ajudou a alimentar o "click" psicopata que surgiu nela quando matou o marido opressor... Cara, de boas, me fez sentir pena da véia pra agora odiar ela do fundo do meu coração por essa atitude que, embora seja um trauma legítimo, ainda assim é sua dúvida uma filhadaputagem gigantesca! Meu amigo, que trama, que reviravolta, que maravilha de texto, meus parabéns cara, aplaudindo de pé aqui!! \0/

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    1. Valeu demais a leitura e o comentário amigão!
      Peço perdão pela demora em responder, infelizmente ando deixando o Blog meio de lado... Sinto muito mesmo.
      Mas vamos ao comentário.
      Poxa, a história triste da Bao não derreteu seu coração? heheheh
      Quando bolei o que a senhora fez no capítulo passado e inclui a cena dela com o sorriso lunático levei um bom tempo para imaginar o que poderia ter acontecido com ela para agir da forma como fez, ao abrir a lanchonete, me ajudando também a dar uma visão de outra perspectiva sobre o que aconteceu com o Caíque... E ver que a loucura da velha senhora até distorceu o que ela viu, quando o cadeirante tentava acalmar sua companheira, levando-a à traição que custou as vidas de vários jovens.
      Foi uma tentativa, que deu certo, pelo visto, de tentar transformar um arquétipo que todos gostam fácil, da velhinha que precisa de cuidados, em algo que os leitores passem a odiar.
      Valeu mesmo amigão! Por toda força de sempre!

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