Quando tudo precisa acabar.
E chegamos ao fim de Estação Chronos.
Foi uma experiência incrível ter escrito esse meu primeiro "anime", onde pude fazer experimentações diversas, tentando recriar o clima das animações japonesas.
Tenho outros projetos em mente e, em breve, devo lançá-los aqui.
Até a próxima e... Boa leitura!
20. História sem fim.
Alguns anos no futuro, décadas depois da época em que Natalie vivia, Ayana, uma mulher madura, no alto de seus cinquenta anos, estava caída no chão, em meio a sangue e excrementos, as correntes em seus pulsos e tornozelos marcavam e feriam sua carne, quase tanto quando a coleira que ela trazia em seu pescoço.
O grupo de homens que mantinham cativa, não só ela, mas também outras mulheres na mesma faixa de idade, atraídas para fora de seus países com promessas falsas e vazias de amor e riqueza, depois de períodos prolongados de prazer, agora deixava todas agonizando no porão de algum lugar em que lhe era negado até mesmo uma janela.
Estavam completamente separadas e isoladas do mundo.
Ayana tentava inutilmente alcançar a última das mulheres com quem havia compartilhado o cárcere, todas as outras já haviam tido seus corpos levados para sabe-se onde, restando apenas ela e Joana, outra mulher vinda do Brasil.
Dias se passaram e somente quando o cheiro de putrefação atingiu Ayana como um soco no estômago, foi que a verdade de estar totalmente sozinha, a dias sem que seus captores viessem saber dela, que a sanidade começou a se perder.
Quando estava prestes a morder os próprios pulsos, para findar sua dor e sofrimento, uma luz surgiu diante dela e uma voz soou dentro de seu próprio cérebro.
"Se quiser se vingar e ainda criar um mundo melhor... Posso salvar sua vida... Mas terá que me servir até o fim de sua existência... Você aceita?"
Não foi necessário nenhuma outra informação do que lhe esperava, diante da outra opção, Ayana aceitou e logo estava livre, com poderes que lhe permitiu aprisionar todos os seus captores num looping temporal, onde eles vivenciariam as mais terríveis mortes várias e várias vezes, por toda a eternidade.
Em seguida ela atravessou um portal que a deixou diante de uma criatura ancestral de poderes quase ilimitados, mas presa numa realidade árida e sem vida.
"Eu sou... O Efêmero... Seja bem vinda minha... Condutora... Vamos... Temos muito o que fazer..."
E o que fizeram trouxe não apenas o mundo, mas toda a realidade para perto do fim, com poucas pessoas tentando evitar tal destino.
XXX
Os novos poderes do Guardião Bisturi eram impressionantes.
― Sutura!
Em alguns inimigos os cortes eram ainda mais retos e perfeitos, deixando-os caídos em pedaços perfeitamente lisos, enquanto em outros o efeito era ainda mais desconcertante.
De forma totalmente aleatória, fossem seculares de forma humanoide, ou mesmo dinossauros infectados, quando o Guardião Bisturi usava seu novo ataque, os que não terminavam fatiados, tinham seus corpos seccionados e reconstruídos totalmente deformados, com cabeças saindo da barriga, braços e pernas trocando de lugar.
O Guardião Bisturi levava o caos para aos agentes do caos.
A Mãe Primordial sentia o ódio fervilhar dentro de seu coração alterado pelo Efêmero, não conseguia entender como aquele humano ousava ficar no seu caminho.
Por isso ela decidiu que não voltaria a se tornar uma mera expectadora dos acontecimentos, por toda a sua vida havia sido daquele jeito, homens abusando dela, tornando sua vida um inferno e agora, quando ela estava no limiar de uma nova realidade, uma nova vida, surgia outro homem para tentar impedi-la.
Ela não aceitaria aquilo.
Não mais.
Caio acabou por se distrair no meio do voo, após fatiar dois pteranodons, mal conseguindo se defender, ao ouvir o som característico da rajada de energia disparada pela Mãe Primordial.
O guardião ergueu os dois braços diante do rosto, criando lâminas de ar tão largas que funcionariam como escudo, evitando assim que ele fosse atingido diretamente.
Ele já havia presenciado do que aquele poder era capaz, mas sem conseguir desviar, só lhe restava rezar pelo melhor, para q ue, ao menos, conseguisse sobreviver.
O impacto das energias lançou o guardião para longe, acabando por quicar várias vezes pelo chão antes de finalmente parar, resultando numa cratera de tamanho considerável.
A Mãe Primordial deu alguns passos adiante, tamanha a ansiedade por querer saber se realmente conseguiu eliminar aquela ameaça a seus planos mas, para seu espanto e ainda maior desapontamento, eis que o Guardião Bisturi se erguia, saindo com passos trôpegos do imenso buraco que sua queda abrira.
― Vai… ― ele cuspiu uma consideravel quantidade de sangue, nem precisava ter estudado medicina para saber que estava numa péssima situação, mas ele não podia deixar a inimiga perceber o quanto ele estava ferido, ainda mais no momento em que ele percebeu que a ourta parte do plano estava se iniciando. ― Vai… Precisar de mais que esse… Poderzinho… Para me causar um dano real…
Foi então que a Mãe Primordial cerrou os punhos, mantendo-os ao lado do corpo, com pequenos tremores por toda a extensão de seus músculos, antes de erguer a cabeça e soltar um urro gutural, que fez o ambiente por inteiro estremecer para, logo em seguida, estender os dois braços na direção do inimigo ferido, abrindo vários portais ao seu redor.
Centenas de Seculares atravessavam, primeiro buscando aprovação e caíricas daquela que os criou e os trouxera até ali para, só então, começar a correr em desabalada pressa na direção ao inimigo ferido.
Além dos monstros humanoides, vários dinossauros também foram trazidos, prontamente infectados e direcionados para o guardião, que tentava esconder um sorriso.
Enquanto as atenções da Mãe Primordial estavam todas nele, pequenos portais iam surgindo próximos dos guardiões cronais que haviam morrido nas incursões, portais de onde saiam pequenas mãos, que os agarravam e, apesar de parecer impossível, conseguiam puxá-los pra dentro.
O exército secular vinha a toda velocidade na direção do Guardião Bisturi e ele se ergueu, empertigou o corpo, fez surgir as novas e imensas lâminas de ar o redor de seus punhos, também até diante dos joelhos e permaneceu aguardando.
Dois tiranossauros tomaram a dianteira na corrida em busca de um pedaço do guardião e, exceto pelo fato do chão tremer diante dos passos dos dinossauros, nem isso pareceu abalar Caio, que continuava aguardando.
Quando chegaram a menos de cinquenta metros do Guardião Bisturi, as bocarras repletas de dentes totalmente abertas, prontos para disputar quem arrancaria o maior pedaço dele, foi que aconteceu o que ele estava esperando.
Sem aviso algum um portal se abriu à direita dos Tiranossauros e por ele passou o trem cronal, atropelando e destruindo as mandibulas dos monstros, conforme ia aterrissando em seguida, abrindo uma imensa trincheira em seu caminho, até finalmente parar, permanecendo assim por alguns instantes, conforme o Guardião Bisturi flutuava até o teto do veículo.
Assim que ele pousou, ao seu lado parte do teto de um dos vagões explodiu, dando passagem para Natalie, a Guardiã D’acier, que também trazia no braço direito uma manopla negra e dourada, igual à do Guardião Bisturi.
― Lapso... – também, assim como ocorreu com seu companheiro, a guardiã emitiu uma intensa energia, no caso dela, dourada. – Temporal!
Diante de seu rosto surgia também um padrão de energia que lembrava uma máscara com várias pontas, ela então se concentrou e na mão sem a manopla surgia uma imensa maça de energia.
Caio se aproximou e, como se não estivessem em outra dimensão, enfrentando um exército de monstros, onde estava em jogo o destino de toda a realidade, pegou sua amada pela cintura e deu-lhe um longo beijo.
― Pelo jeito você apanhou bastante hein?
― Isso? Que nada… Precisava ver como ficaram os outros monstros que estavam me enfrentando...
Ele teria sido mais convincente se não soltasse gemidos entre as palavras, nem se levasse a mão até onde ele havia sido ferido pela lança.
― Tá muito ruim?
― Eu aguento fácil… Vi que parte do plano deu certo… A outra deu também?
― Claro… Era a minha parte… Não foi fácil, por isso acabei demorando um pouco… Mas agora… Posso me divertir também?
― Por favor…
A Mãe Primordial aumentou ainda mais seu exército, tão focada estava em eliminar a resistência de Caio e agora de Natalie, que acabava por ignorar as tentativas de contato mental do Efêmero, procurando avisar sobre o desaparecimento dos Guardiões Cronais que estavam tentando libertá-lo.
Tudo o que ele havia conseguido foi uma pequena fissura no grilhão que prendia seu pulso direito, onde o controlado Odla havia concentrado seus poderes.
Mas a Mãe Primordial, cega pelo ódio, só conseguia se concentrar no que estava à sua frente, avançando junto de seu exército, causando um verdadeiro terremoto a cada vez que seus pés tocavam o solo.
Natalie deu um passo à frente, conforme Caio começava a flutuar, ambos estavam se preparando para concentrar fogo na maior ameaça que vinha em sua direção, precisando assim de ajuda com os demais seculares.
Ajuda essa que se mostraria um grande surpresa para a Mãe Primordial.
― Atacar!
Seguindo a ordem da Guardiã, as portas de todos os vagões do trem cronal se abriram.
― Espartanos! Avancem rumo à glória!
Os primeiros a se jogarem para fora, seguindo o rei Leônidas, foram os guerreiros que haviam sido envolvidos na mais recente incursão, que dera origem a toda a cadeia de acontecimentos que levaram até aquele momento.
Logo em seguida, de outros vagões, soldados da segunda guerra também avançavam, metralhadoras em riste, prontos para dar a vida para salvar a realidade.
Soldados da guerra do golfo, escoceses, samurais, caçadores africanos, cavaleiros templários, vikings, os melhores guerreiros de todos os períodos históricos da Terra se uniam aos Guardiões Cronais naquela que seria a maior batalha de todos os tempos.
A imagens dos monstros que avançam sem parar poderiam ter paralisado pessoas menos capacitadas, mas diante do exército mesclado, vinha um rei que não se permitia sentir medo.
Leônidas tinha na mão direita uma lança e causou um leve e passageiro divertimento na mente nublada de ódio da Mãe Primordial, que achou irrisório algo assim contra o Secular que estava prestes a alcançar o rei espartano.
― Héracles! Guia minha mão!
Ele então atirou sua lança, que avançava no ar de forma reta, perfeita.
Contra todas as expectativas, assim que a lança se enterrou no crânio do Secular, começou a emitir um brilho dourado, explodindo em seguida e fazendo o corpo sem cabeça tombar no chão.
Foi então que balas luminosas voaram pelo campo de batalha, ao lado de flechas, mais lanças, e até mesmo espadas cujas lâminas brilhavam com esperança e causavam um dano inacreditável nos monstros.
Caio voou, deu um mortal em pleno ar, depois desceu e segurou Natalie pelos pulsos.
― O plano dela funcionou!
"Claro que funcionou!" a voz de Cristal ecoava em uníssono, vinda dos anéis que os guardiões cronais usavam "Afinal não foi assim que eu disse que aconteceria?"
― Sim minha queria amiga... ― uma pequena lágrima surgia no canto de um dos olhos de Caio. ― E foi tudo perfeito.
― Pronto para fazer justiça ao sacrifício da Crista!?
― Mais que pronto!
E então eles seguiram na direção da Mãe Primordial.
Seus corações, mesmo que firmes no propósito de salvar toda a realidade, ainda doíam pelo que tiveram que fazer.
XXX
― Não concordo com isso Cristal…
― O Caio tem razão garota… É muito arriscado…
― Meus amigos… Se tivéssemos mais tempo... O que é irônico se parar prá pensar… Mas enfim… Se houver outra forma, outra opção, eu sou toda ouvidos…
Nem Caio nem Natalie conseguiam pensar em qualquer argumento, mesmo ficando alguns minutos em silêncio contemplativo, considerando opções, mas por fim, deixaram os ombros caídos, completamente vencidos.
Não havia mesmo outra escolha.
― Mas Cristal… ― Caio não conseguia desistir sem dizer nada. ― E você? Se isso tudo der certo você..
― Ora, vamos lá… Se fosse o contrário, você não se sacrificaria?
Outra vez Caio ficou sem resposta, às suas costas, a pequena Topázio abraçada a cintura de Natalie, chorava sem parar.
Cristal se aproximou dela, acariciou seu rosto, exibindo um sorriso triste, depois foi até as garotas e lhes deu um abraço apertado, para só então andar até o centro do esconderijo onde havia criado uma cópia da Estação Chronos.
Ela se concentrou, procurando ignorar o fato de que sua versão mais jovem chorava copiosamente, enquanto Caio e Natalie tentavam se manter firmes, era dificil segurar as lágrimas que insistiam em se acumular nos olhos.
Uma luz começou a brotar do corpo da jovem Cristal, aumentando de intensidade gradativamente, até forçar os presentes a cobrir os olhos por alguns instantes.
De repente a luz cessou, deixando dois Guardiões Cronais e uma menina com seus corações partidos, mas antes que eles tivessem tempo para registrar totalmente a partida da amiga, a voz dela ressoou pelo local.
Natalie e Caio ergueram suas mãos direitas, vendo que surgiam anéis em seus dedos médios, percebendo, num misto de tristeza e surpresa, que o primeiro passo do plano havia dado certo.
"Agora nessa forma energética tenho mais liberdade para criar portais e os armamentos que vamos precisar para acabar de uma vez por todas com os planos do tal Efêmero."
"Caio, você ficará com a parte mais perigosa... Vai servir de isca, enfrentando sozinho a Mãe Primordial, enquanto eu ajudarei a Natalie a reunir nosso exército."
― E eu? – Topázio segurava forte na mão de Caio, trazendo o anel, onde agora existia a essência de sua versão adolescente, era nítido o esforço que ela fazia para parar de chorar. – O que eu vou fazer?
"Você, minha pequena jóia rara, vai realizar a missão mais importante de todas."
Sentindo o peso de tal revelação, a menina ergueu o rosto, agora apenas algumas lágrimas desciam pelas bochechas, mas ela sorria e se esforçava para fazer uma expressão séria e, na sua cabeça, heróica.
Cristal revelou o que Topázio ia fazer.
E a pequena fez.
XXX
― Que loucura Rick! – um soldado da segunda guerra jogou uma granada certeira na cabeça de um Secular, conforme se mantinha ao lado do melhor amigo, que descarregava balas luminosas contra outro monstro. – Como se Omaha já não tivesse sido uma doideira!
― Morrer lá ou aqui... Tanto faz Morty... Pelo menos vimos uma garota gostosa prá caralho antes de morrer! E olha o que ela fez com a minha arma!
Ele novamente disparou um jorro de balas, até reduzir a cabeça de outros seculares a nada.
Do mesmo modo os demais guerreiros trazidos por Natalie se surpreendiam com as capacidades dadas por ela, através dos novos poderes de Cristal, conseguindo enfrentar em pé de igualdade os monstros que os atacavam, deixando assim o caminho livre para que os Guardiões Cronais se concentrassem na maior ameaça.
― Pénitence Divine!
O Guardião Bisturi carregou sua companheira pelas mãos, voando até onde estava a Mãe Primordial, quando ele se elevou no ar, soltando-a na direção da imensa inimiga, enquanto fazia refulgir em suas mãos uma imensa maça de energia.
Aproveitando a inércia a garota girou lateralmente, aumentando assim o impacto do golpe, atingindo com força total a face luminosa da imensa inimiga.
A Mãe Primordial deu alguns passos para trás, surpresa por realmente ter sentido aquele ataque e, antes que ela conseguir se recuperar, parte de seu ombro foi decepado.
― Sutura!
Era o Guardião Bisturi que atacava com uma mão, enquanto com a outra segurava mais uma vez sua parceira e, sem dar chance para que a inimiga se recuperasse, agora era ele quem girava algumas vezes, lançando a outra guardiã na direção da Mãe Primordial.
― Pénitence Divine!
Agora ela segurava o cabo da maça mantendo-se abraçada à arma, se tornando um projétil que seguiu direto, outra vez para a cabeça da inimiga, que ainda tentou se proteger com um dos braços, erguendo-o diante do rosto.
― Sutura!
O imenso braço caiu, esmagando alguns seculares no processo, e finalmente a Mãe Primordial ficou com a guarda baixa, acabando por levar o novo golpe, praticamente um tiro, que finalmente a fez cair, ficando apoiada sobre um de seus joelhos, de um jeito que ela havia prometido a si mesmo nunca mais ficar.
Seu outro braço gigantesco se ergueu de forma assustadoramente rápida e atingiria em cheio a Guardião D'Acier, mas para a surpresa da Mãe Primordial, seu braço acabava se ser seccionado do corpo, num golpe feito pelo Guardião Bisturi, que ainda conseguiu pegar sua companheira, pousando a poucos quilômetros dela.
Por causa do seu tamanho, dava a impressão de que era possível tocar na inimiga caso estendessem as mãos, mesmo estando tão longe.
Com apenas alguns instantes de concentração, todo dano recebido pelos golpes dos guardiões foi desfeito, a imensa criatura já exibia dois novos braços e a cabeça da mesma maneira como se nada tivesse acontecido.
"Desistam e se juntem aos demais guardiões convertidos... Submetam-se à transformação e ajudem a libertar o Efêmero... Juntos seremos os alicerces de uma nova realidade..."
― Que convertidos? – a Guardiã D'acier exibia um sorriso triunfante.
Foi apenas nesse instante que a Mãe Primordial percebeu o ardil em que caira, se voltando desesperada para o Efêmero, finalmente dando atenção às tentativas dele de se comunicar.
Em nenhum lugar se via os guardiões que estavam tentando libertar o gigantesco monstro.
"O que vocês fizer..."
A frase foi interrompida, pois agora a Mãe Primordial levava as mãos ao redor da cabeça, tentando se proteger de um ataque sônico.
― Sonikkuburasuto!
As Guardiãs Noizu saltavam e, em pleno ar, trocavam um bater de palmas, além de uma rápida, porém complexa coreografia de passos, antes de se voltar outra vez contra a imensa inimiga e começar a bombardeá-la com mais ondas sonoras, que a mantinham caída.
Ao redor da Mãe Primordial ecoavam gritos de guerra, anunciando os ataques que ela receberia, projéteis feitos de água, esferas flamejantes, chicotes de trevas, lanças de luz, todos os poderes que ela mesma, em sua época de condutora, junto com suas outras versões, distribuiu àqueles que um dia a ajudariam a libertar seu mestre.
Enquanto os aliados que a Guardiã D'acier havia trazido mantinham os demais inimigos ocupados, eles focavam na principal ameaça, os guardiões libertados por um poder tão grande quanto o da criatura.
― Desista! ― o Guardião Bisturi tomava a frente, conseguindo se comunicar graças ao anel que ainda se destacava, mesmo com sua mão coberta pela manopla. ― Não precisamos te ferir mais! Apenas desista, a gente deixa aquele monstro ali preso e vamos cuidar da nossa vida!
A Mãe Primordial continuava a se contorcer, procurando acertar seus atacantes, mas sem sucesso, ainda sendo contida, enquanto se uniam ao Guardião Bisturi, a própria Guardiã D'acier e também o Guardião Tseber, em seu ombro vinha a pequena Topázio.
Sem conseguir sequer vocalizar algo, a imensa criatura estendeu sua mão direita na direção da criança, mas seu braço acabou cortado ao meio por uma das novas lâminas de ar, o que a fez recuar.
― Para com isso! ― a menina estava aos prantos, era horrível para ela ver sua versão mais velha transformada num monstro e sofrendo daquele jeito. ― Por favor! Os guardiões e a Cristal podem te ajudar!
"Isso mesmo!"
Dos anéis de Bisturi e D'acier, surgiu uma forma espectral da ex condutora adolescente, deixando claro seu sacrifício para que aquela resistência fosse possível.
Ao ver aquilo a Mãe Primordial finalmente pareceu impactada e sua postura agressiva se abrandou, com ela terminando por abaixar o joelho que permanecera todo aquele tempo levantado, permitindo que ela se sentasse sobre as canelas, um dos braços caído ao lado do corpo, o outro se regenerando.
Era um momento que os guardiões não podiam deixar passar.
Os ataques cessaram, alguns se afastaram, indo ajudar os guerreiros recolhidos de diversas partes do tempo, deixando apenas Caio, Natalie, Topázio e Odla diante da Mãe Primordial.
"Você... Se sacrificou? Por esse mundo? Não descobriu o que aconteceu comigo?"
"Todos nós vimos, depois mostramos para os guardiões resgatados. Não viemos para te deter... Mas para te ajudar... Ajudar de uma maneira que o Efêmero jamais poderia ajudar... Com vida, não com morte... Pois nós, juntas, poderemos dar à nossa versão mais jovem uma vida melhor... No fim... Valeu a pena me sacrificar... Você poderia fazer o mesmo?"
Um minuto de silêncio se passou, o que pareceu uma eternidade e que poderia realmente ter se passado por tanto, dada a inconsistência de como o tempo se movia naquela dimensão.
Pouco a pouco a face de energia da Mãe Primordial foi assumindo a fisionomia humana de Ayana, aquela que fora escolhida pelo Efêmero para se tornar a Condutora mais velha.
"Eu.. E-eu…"
Antes que ela pudesse anunciar sua decisão, a Mãe Primordial levou as mãos à cabeça, soltando um grito agudo de completa agonia, curvando o corpo e, em seguida, enterrando os dedos no solo rochoso da Terra do Fim.
Enquanto os guardiões eram pegos de surpresa com a dor exibida pela Mãe Primordial, todos os seculares, bem como as criaturas infectadas por eles, após também soltarem urros inumanos de dor, se colocaram a correr na direção do Efêmero, sendo absorvidos por ele, que parecia ficar ainda maior.
E também mais poderoso.
Os primeiros a perceberem o perigo foram Caio e Natalie que, após trocarem um rápido olhar e um aceno positivo de cabeça, seguiram para caminhos diferentes.
― Voltem logo para o trem! ― a Guardiã D’acier se voltava para o exército que conseguira reunir. ― A situação agora é só para nós, Guardiões Cronais! Voltem já!
Pouco a pouco os guerreiros iam sentindo a adrenalina do combate arrefecer, dando ouvidos à garota de cabelos alaranjados que os havia trazido até ali e que agora os mandava debandar.
Após alguns minutos indecisos, eles começaram a obedecer.
Cada guerreiro, soldado, caçador que entrava por alguma das portas do trem eram levados ao seu devido lugar no tempo, já sem memória alguma do que havia acontecido, assim como todos que haviam sido mortos na luta da Terra do Fim, enviados de volta antes, também sem lembrar nada sobre o que havia acontecido, protegendo o fluxo do tempo.
Enquanto a Guardiã D’acier terminava de evacuar o campo de batalha, os demais Guardiões Cronais entravam em ação, atacando diretamente o Efêmero que, tendo consumido seu próprio exército, agora erguia o braço direito para cima, forçando o grilhão que havia sido danificado, pretendendo se libertar.
Ao mesmo tempo ele usava seu controle sobre a Mãe Primoprdial para fazer com que ela também fosse até ele para ser consumida e, por mais que tentasse evitar, seu corpo não a obedecia.
No fim Ayana se tornava outra vez uma escrava.
― Não! ― no chão até mesmo o grande Odla tinha dificuldades em segurar a pequena Topázio, que tentava desesperadamente correr até sua versão mais velha, querendo ajudá-la, mesmo sem saber como. ― Para! Não vai não!
Novamente os brados dos ataques dos Guardiões Cronais ecoavam pelo ar, todos tentando inutilmente causar algum dano ao gigantesco inimigo que, mais forte após absorver seus servos, começava a se colocar de pé, as costas iam se desgrudando da paisagem onde ele passara milênios sem se mover, causando uma chuva de detritos que, após ele balançar o corpo para os lados, forçou os guardiões que não voavam a procurar abrigos momentâneos.
Um dos blocos voou na direção de Odla e Topázio e os teria acertado, uma vez que o Guardião Tseber não podia acionar seus poderes e segurar a criança ao mesmo tempo.
― Pénitence Divine!
A Guardiã D’acier conseguiu saltar por sobre a dupla, usando um dos ombros de Odla como apoio, destruindo o imenso bloco de pedra com sua maça de energia.
― Topázio… ― Natalie se ajoelhou diante da criança, colocando as mãos sobre seus ombros e olhando fixamente nos olhos dela, deixando claro a seriedade em suas palavras. ― Preciso que você fique aqui com o Odla… Se algo acontecer com você, tudo pelo que estamos lutando vai ser em vão… Me entendeu?
Com os olhos cheios de lágrimas, ela assentiu, se permitindo ser pega no colo pelo imenso russo.
― Eu a manterei segura… Pode ir tranquila.
A Guardiã D’acier fez um gesto de concordância e partiu para a luta, acertando mais um bloco de rochas que quase atingiu outros de seus colegas.
Sem muita escolha, girando seu corpo e aproveitando a inércia, a guardiã consegui acertar atrás do joelho da Mãe Primordial, conseguindo atrazá―la um pouco, ganhando assim alguns momentos.
"Isso não vai adiantar Caio… O poder do Efêmero é grande demais… E quando ele absorver a mais velha…"
O golpe do Guardião Bisturi fez os dedos da mão quase solta do Efêmero grudarem uns nos outros, mas ele permaneceu assim por apenas um instante, conseguindo em seguida, alós fazer os dedos voltarem ao normal, acertar aquele que parecia um mosquito incomodando-o.
Caio voou outra até alguns quilometros de distância, a dor que vinha do ferimento que ele recebera agora se espalhou por todo o corpo, ele sentiu o gosto característico de sangue e, ao levar uma mão até seu rosto, percebeu um grande corte, que se iniciava pouco abaixo de um de seus olhos, passava por cima do nariz e terminava perto da mação do rosto do outro lado.
As Guardiãs Noizu conseguiram chegar até ele primeiro, abraçando-o e ajudando o companheiro ficar em pé.
― Obrigado... Meninas… Nossa, tava com saudades de vocês...
― Nós também Caio-Kun! ― a atenção do trio foi atraída para o som da Mãe Primordial voltando a se mover na direção do Efêmero. ― O que a gente faz agora?
Sentindo o sangue a lambuzar seu rosto, apesar das tentativas de limpá-lo, Caio não encontrava nenhuma resposta, até que sentiu uma vibração vindo de seu anel, percebendo a deixa, alçou voo, pedindo para que as gêmeas continuassem tentando causar algum dano no Efêmero.
"Caio! Entrei em contato com a mais velha, ela está sofrendo, conseguimos conversar rapidamente e tivemos uma idéia… Mas é muito arriscado…"
Abaixo deles o caos imperava, enquanto Odla mantinha Topázio protegida, Natalie liderava os guardiões, dividindo os esforços entre deter o avanço da Mãe Primordial e tentar impedir que o Efêmero se libertasse.
― Que saco Cristal! ― o Guardião Bisturi falava entre dentes cerrados. ― Você não consegue nunca pensar em algo que resolva tudo e que fiquemos todos bem e felizes?
Caio pode sentir o sorriso que a essência de sua amiga, vinda do anel de seu dedo, deveria estar exibindo naquele momento, por isso fechou os olhos para suprimir as lágrimas que insistiam em surgir e, ao abri-los, localizou rapidamente onde Natalie estava.
― Oi linda, tá ocupada?
Antes da guardiã sequer pensar em responder, mesmo em meio ao caos que os cercava, os dois amantes trocaram um beijo apaixonado.
Não era necesária nenhuma palavra, ambos sabiam que o momento havia, finalmente, chegado.
― Eu…
― Eu também…
Seus olhos se encontraram, depois tocaram suas frontes, um último beijo e então ele saiu voando.
A Mãe Primordial agora corria livre na direção do Efêmero, cada passo cobria quilômetros de distância, ao lado de sua cabeça avançava o, em comparação, minúsculo Guardião Bisturi.
"Só teremos uma chance…" as vozes de Cristal e de sua versão mais velha e monstruosa se mesclavam na mente do guardião "Você vai precisar de uma… Precisão Cirúrgica..."
Uma última brincadeira antes do derradeiro final.
Caio acabou rindo.
O Efêmero ainda mantinha a mão estendida, sua essência ancestral se excitava com a eminência da tão desejada liberdade, acabando por perceber o que acontecia quando já era tarde demais.
A Mãe Primordial, antes de ser tocada e absorvida, desviou da mão de seu criador, terminando por agarrar o pulso da criatura, tomando assim o lugar dos grilhões que estavam quase se rompendo, mantendo―o preso.
Imediatamente o Guardião Bisturi voou alto e mergulhou na direção dos braços da antiga Condutora, que estava sendo absorvida, mas muito lentamente, devido ao fato dela resistir bravamente.
"Escrava... Nunca mais!"
Com lágrimas nos olhos Caio acionou a maior lâmina de ar sólido que ele conseguiu, por debaixo da manopla escorria sangue devido ao esforço, mas ele não poderia hesitar, nem poderia pensar em desistir.
O momento era agora.
― Sutura!
O grito se estendeu por alguns instantes, conforme o poder do Guardião Bisturi mesclava a Mãe Primordial aos grilhões que prendiam o Efêmero, terminando por tomar o lugar deles, graças à energia liberada por Cristal, prendendo-o totalmente mais uma vez.
A explosão cronal tomou toda a Terra do Fim, num último Efeito Ômega.
Tudo o que era deixou de existir.
E o mundo finalmente encontrou o seu…
FIM.
Epílogo.
Paris, França.
Uma brisa agradável soprava naquela tarde, anunciando o fim do verão de 2052, na Champs de Mars, sob a sombra da Torre Eifell, onde um família aproveitava para fazer um piquenique.
O casal Flaubert e suas filhas, Natalie e Catherine, comemoravam o fim das burocracias a respeito da adoção de uma linda menina, de pele quase da cor da noite, cabelos ondulados e totalmente platinados, os olhos azuis brilhavam de alegria, conforme ela brincava de pega pega com suas novas irmãs.
Topázio não lembrava de ter sido tão feliz assim algum dia de sua vida.
Não muito longe, um motoqueiro observava a cena, sua jaqueta, toda estilizada, com detalhes em tons de cinza claro e escuro e algumas faixas em vermelho escuro, no rosto um sorriso triste estava cercado por um cavanhaque, sobre o nariz uma grande cicatriz.
No dedo médio da mão direita um anel, cuja pedra de um cristal multicolorido parecia emitir um pequeno e intermitante brilho.
― Então… Elas estão bem?
"Com certeza… A primeira parada da Natalie, quando ela partiu para recrutar nosso exército, foi na época em que ela e a irmã sobreviviam, ela fez questão de manter a pequena Cat em segurança…"
― E a Topázio?
"Às vezes ela vai sonhar com um protetor grandalhão que, junto com seu cachorrinho e vários outros Guardiões, a protegem e levam em várias aventuras… Além disso, mais nada… Digamos que eu aprimorei a ideia que a velhota teve e, tendo acesso aos poderes do Efêmero, mesmo que por um instante tão curto, pude dar o que os Guardiões queriam, cumprindo assim as promessas feitas a todos… Ou quase todos…"
Caio mal prestava atenção às palavras de Cristal ecoando em sua mente, pois seus olhos se encontravam com os de Natalie, os dois permanecendo como que congelados no tempo.
O momento passou assim que Topázio e Catherine empurraram as costas da jovem, gritando juntas um sonoro "Tá com você!", fazendo com que Natalie desse as costas ao estranho e, ao mesmo tempo, impossivelmente familiar motoqueiro.
Caio então foi recolocando seu capacete e se ajeitando na da Moto Cronal.
― Se vai ficar lamentando outra vez o fato de que eu, por ter sido um dos elementos que ajudou a "resetar" a realidade, me tornou um paradoxo… ― ele ligou a moto, fazendo o motor rugir e ecoar pelo ar parisiense. ― Eu já aceitei de boa… Ainda mais se, com esses poderes, eu conseguir manter esse futuro delas em segurança… Nada ainda dos possíveis causadores do fim do mundo?
"Infelizmente não… Só sei que deve ter sido algo, ou alguém, que agiu por volta do ano 2020 em diante…"
― Bom… Então vamos lá! Hora de mergulhar no fluxo do tempo!
Ele aceletou a moto cronal, disparou pelas ruas de Paris e, assim que atingiu a velocidade necessária, desapareceu.
O Guardião Bisturi Retornará.
Um dia.
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