Como em uma gota de chuva #00

 

Eis outra estréia de um título que pode vir a ter continuidade no próximo ano.

Minha primeira experiência escrevendo um romance, drama, dorama, uma história de amor sem elementos sobrenaturais ou combates entre guerreiros.

Aqui conheceremos Deniel e Kelly, um casl destinado a se encontrar e se apaixonar, mas... Será um relacionamento fácil?

Talvez sim, talvez não...

Vejamos até onde eu conseguirei levar essa história.

Sem mais delongas... Boa leitura!


Como em uma gota de chuva #00.

Recomeçar.


Deniel simplesmente não conseguia acreditar naquilo.


Mais de um ano sem ter nenhum encontro em vista, ainda sentia a dor que vinha de quando foi chutado pela última namorada, pouco tempo depois de terem comprado um carro e um terreno “juntos”.


Semanas depois dos documentos assinados ela, Deniel não gostava nem de lembrar do nome, veio falando que estava vivendo com um outro cara e que agora entraria na justiça para ficar, não só com o carro, como também com o terreno.


Depois de um logo e feio processo, extremamente cansado e esgotado, o coitado do rapaz simplesmente aceitou os termos e fugiu para a casa de sua avó, que vivia no interior de São Paulo, cuidando de seu irmão mais jovem.


O apoio dos únicos parentes que ele conhecia foi crucial para que, pouco a pouco Deniel conseguisse sair do poço fundo de autopiedade em que se enfiara.


Aos poucos conseguiu se reerguer, usando um valor que sua avó explicou ser parte da sua herança, que ela estava separando para quando ela falecesse.


Como se isso fosse possível… — foi o que Deniel disse na época. — Se bobear, a senhora enterra todos nós…


Deniel até mesmo arranjou um valioso “apertamento”, pertencente a um dos amigos da avó que, tendo mudado para outro estado, não conseguia alugar e nem ficar cuidando da manutenção que tal investimento exigia.


Deniel Barbosa de Souza! Quase quarenta anos nas costas…” dizia sua avó, um exagero, já que ele mal passara dos trinta, mas que, mesmo dito com carinho e em tom jocoso, ainda que usando seu nome completo, numa ameaça velada, a verdade dava uma machucada “Precisa ter um lugar só pra você… morar com uma velha não está certo…”


Por isso ele acabou aceitando voltar para São Paulo, passando um bom tempo numa existência solitária, mas que lhe deu tempo para se ajustar à nova vida.


Apesar da sensação incomoda, de que até seus amigos, da época em que estava namorando, o abandonaram também, o rapaz encontrou alento no sempre jovial e “zoeiro” Hélio, o melhor amigo que fizera na faculdade e que reencontrara no escritório de contabilidade onde ele arranjou trabalho.


Cara…. Tu tá bem melhor sem aquela piranha… Sei que não quer ouvir isso, mas eu avisei né?


De fato, não foram poucas as vezes em que o amigo fizera alertas, cada vez mais escancarados e até mesmo com a ex presente, Deniel sempre respondia que devia ter dado ouvidos a ele e que tal “pecado” não voltaria a acontecer.


Exatamente por isso agora Deniel se encontrava num dilema.


Segundo Hélio uma baita festa ia acontecer naquele dia, num casarão que ficava na Vila Madalena, e seu amigo disse que ele iria de qualquer jeito para resolver a “seca” pela qual Deniel passava a meses.


Claro que essa chance aparece justo agora…” ele estava sentado no chão do quarto, em meio a uma bagunça digna da passagem de um furacão “Quando eu não tenho merda nenhuma pra vestir…”


O rapaz olhou pela décima vez para a miniatura de um carro, em oferta num site de compras online, junto com mais cinco no espaço virtual do carrinho, todos numa oferta imperdível.


Com uma dor inacreditável no coração, ele guardou o celular e foi correndo até o shopping mais próximo, a compra dos carrinhos teria de esperar até o próximo mês.


Não acredito nisso!


Do outro lado da cidade uma jovem passava por dilemas parecidos com os de Deniel.


É sério Ághata… Hoje não dá mesmo!


Ah! Kelly Regina de Almeida! Você não existe!


Vai mandar essa, mesmo? Você sabe que eu odeio quando me chamam assim… Sempre lembro da minha mãe me dando bronca…


Ela cruzou os braços e ameaçou fazer o que elas chamavam de “bico de choro”, mas logo caiu sentada no sofá, estendendo as duas mãos na direção da televisão, como se aquilo fosse o suficiente para encerrar a discussão.


Pelamor Rê… Você sabe que pode, muito bem, colocar para gravar né?


Mas é a estreia da nova temporada… Preciso saber o que a Xiang vai fazer com a proposta do Xu Yan…


Ághata apenas cruzou os braços e enviesou bem a boca, numa postura que dispensava palavras.


Você sabe como o fandom do “Bem-vindos ao paraíso” é… Mal o episódio acaba, chove spoilers na net e…


E você estará muito ocupada se divertindo na festa pra ficar vendo o celular… Cacete amiga… Até quando tu vai ficar nessa fossa?


Como sempre acontecia, ao ser confrontada com o motivo de estar em depressão a meses, a mente de Kelly viajou para o passado, vendo aquela que era considerada sua melhor amiga montada em seu noivo, ambos gritando obscenidades, numa noite em que a jovem precisara sair para resolver alguns problemas, mas como havia esquecido o guarda-chuva, acabou voltando para casa a tempo de flagrar a traição.


Nunca mais!” o pensamento sempre explodia “Nunca mais vou ser machucada assim…” e logo ela começava o involuntário movimento de enrolar o cabelo encaracolado com o dedo indicador esquerdo.


Percebendo o que havia desencadeado, Ághata sentou do lado da amiga e colocou uma animação para que ambas pudessem relaxar.


Vamos fazer assim amiga… A gente vai na festa que eu descobri… Vai ser lá na Vila Madalena… Se você gostar do ambiente a gente fica… Se tu não gostar a gente vaza rapidinho… Que tal?


Sem outra escolha, mesmo a contragosto, Kelly foi com a amiga na direção do guarda-roupa, com a missão, nada fácil, de escolher algo que prestasse em seu pobre leque de opções.


Fazer compras não fora algo em que a garota pensava após o ocorrido com seu noivo, mas ela sabia, após cinco minutos olhando suas roupas, que Ághata recomeçaria em breve a ladainha de sair da fossa.


Shopping?


Shopping.


E logo as duas se puseram a caminho, mas só depois de Kelly ter ajustado a gravação de seu dorama favorito.


A noite finalmente caiu sobre a cidade de São Paulo, sem estrelas, com nuvens pesadas que, vez ou outra, eram iluminadas pelos clarões dos raios e relâmpagos.


Mesmo àquela hora estava muito calor, um calor que serviria de prelúdio a uma grande tempestade que se avizinhava.


Mesmo com tal ameaça, que geralmente gelaria o sangue de qualquer paulistano, nem Ághata, nem Hélio aceitaram qualquer uma das desculpas que seus amigos tiravam da manga, para não ir à tal festa.


Hélio… Na boa… mas eu vou cair fora tá? - por volta das onze da noite, Deniel resolveu falar com seu amigo que, naquele momento, estava beijando o pescoço de uma bela loira, que respondia com risinhos provocantes. — Cara, eu já escapei de uns três jorros de vômito… O ímã de bêbadas tá ligado ao máximo e…


Percebendo que suas reclamações estavam caindo em ouvidos surdos, Deniel resolvei sair do casarão, talvez ainda conseguisse pegar um ônibus, ou até mesmo um uber.


Não muito longe, num dos vários corredores, uma jovem sentia como se estivesse se afogando.


Kelly estava de costas para uma parede, uma parte de si, a maior parte na verdade, rezava para que alguma força cósmica lhe desse o poder de atravessar objetos sólidos, para fugir dali.


Mexendo constantemente no seu cabelo com o indicador, ela procurava por sua amiga, mas já fazia um bom tempo que Ághata havia sumido junto com duas garotas e um rapaz.


Certeza de que ela vai demorar” às vezes, muito rapidamente, Kelly se deixava imaginar como seria levar a vida de forma tão intensa quanto sua amiga, mas logo a realidade lhe acertava com um tijolo e ela voltava para seu mundo cheio de dor e preocupação.


Mandou uma mensagem de texto rápida e sucinta.


[Tô caindo fora, a gente se vê depois.]


Depois de minutos infinitos, com ela saindo pelo meio da multidão, acabando apenas com alguns lábios, femininos e masculinos, lhe roubando um selinho e, pelo menos, três apalpadas onde não deviam apalpar, ela ganhava as ruas de São Paulo, no mesmo instante que um trovão parecia anunciar o fim do mundo.


A chuva desabou no exato instante em que Kelly alcançara um ponto de ônibus coberto, onde teria apenas a companhia de um rapaz que chegara lá segundos antes dela, mas que estava do outro lado do banco.


Os dois permaneceram em silêncio, apenas vendo o dilúvio enviado dos céus, cada um se indagando se realmente passaria algum ônibus por ali, àquela hora e já imaginando o que deveriam fazer.


Rachar um uber, talvez?


Deniel cogitara tal ideia, ele não conseguiria deixar uma moça sozinha daquele jeito, mas, sem saber como ela poderia reagir a uma sugestão como aquela, preferiu ficar em silêncio, atualizando os jogos de seu celular.


Ai, merda!


Se tocando quase de imediato do fato de que não estava sozinha, Kelly ficou com o rosto pegando fogo, se odiando por não ter conseguido evitar a interjeição, assim que abriu uma de suas redes sociais e, como havia dito a sua amiga, lá estava, em letras garrafais, um spoiler gigantesco sobre Bem-vindos ao paraíso.


Deniel achou graça da situação, mas, voltou a olhar o celular, para não constranger ainda mais a, ele reparava agora, bela moça ao seu lado, mas sem saber disso Kelly, ainda sentindo as faces ardendo, quis enfiar a cara no próprio aparelho, dando as costas para o homem que ela tinha visto e chamado sua atenção, quando se cruzaram algumas vezes na festa.


Um relâmpago iluminou a noite, um trovão pareceu ter feito o ponto de ônibus tremer e, no mesmo instante em que uma pequena gota de chuva encontrara seu caminho por uma fissura no teto de acrílico, eles se olharam.


Em uma história normal de amor, seria o momento de dizer que foi como se uma descarga elétrica se espalhasse pelos seus corpos, que eles trocariam nomes e números, até mesmo poderia ser que eles se abraçassem e se entregassem a um beijo tórrido de amor naquele exato instante.


Tudo isso até poderia ter acontecido, se um grupo de rapazes, ao saírem da festa no casarão, procurando por algum lugar onde poderiam beber ainda mais e vendo “potenciais vítimas” no ponto de ônibus, não resistiram.


O jorro de água fria cobriu Deniel e Kelly, que mal conseguiram proteger seus celulares, conforme a risada do pessoal do carro ainda ressoava, conforme eles se afastavam rápido.


Como já foi dito, em uma história normal de amor, dessas de seriados de streamings, esse seria o momento em que eles se olhariam e, mesmo em meio a uma situação como aquela, sorririam e se abraçariam.


Mas não aqueles dois.


Eles chegaram a se encarar por alguns segundos, mas logo se voltaram para onde o carro seguia a toda velocidade, abriram a boca e, quase no mesmo instante começaram a desfiar todo o repertório de palavrões que conheciam.


Cerca de três minutos se passaram, até que perceberam que seus palavrões conhecidos haviam acabado e só estavam gritando para o nada, já que o carro sumira em uma esquina próxima.


Só então Deniel e Kelly realmente se olharam e, como em uma gota de chuva, que encontra seu caminho do céu ao chão, um sentimento pareceu brotar em seus corações.


E a história de um amor, que seria capaz de vencer qualquer barreira, realmente teve início.



O começo!

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2 Comentários

  1. Grande Norberto!

    Como fã declarado de dorama, não poderia deixar de prestigiar esse seu novo projeto, parabenizando-o pela corajosa escolha, afinal, escrever doramas, não é tão fácil quanto possa parecer.

    Você, acertadamente, embora mantivesse alguns aspectos clássicos do doramas, como o detalhamento das emoções e sentimentos dos personagens, procurou fugir dos clichês.

    Daniel e Kelly, possuem uma história pregressa comum de dores e traumas amorosos que os deixaram no fundo do poço.

    Essa coincidência pode uni-los ou afastá-los, embora a proposta seja um romance.

    Creio que você vai trabalhar muito nessa dualidade.

    Essa dosagem vai bem de encontro ao seu estilo único de escrita, inconformado , com o mais do mesmo.

    Quem lê, reconhece de cara que é um dorama, mas um dorama com a sua pegada.

    Parabéns por isso!

    Um detalhe que curti foi o sobrenome do Daniel . O Barbosa de Souza é o meu sobrenome. Não poderia deixar passar batido

    Vejamos como se dará esse encontro de almas desiludidas.

    Tô ansioso por novos episódios!

    Sucesso!

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    1. Muito obrigado pela leitura e comentário.
      Foi uma primeira tentativa, mas eu confesso que curti muito o Deniel e a Kelly e provavelmente teremos mais alguns capítulos...
      De fato, se tem algo que me incomoda é escrever algo que soe apenas como mais do mesmo, por isso pretendo fazer algumas escolhas diferentes dos, pouquíssimos, doramas que vi na vida.
      A respeito do sobrenome do Deniel, foi totalmente sem querer, eu só dei umas buscas e tentei usar algum que fosse diferente do que aparece nos meus textos.

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